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O Livro dos Prazeres

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[Clarice Lispector]

Clarice Lispector é o principal nome de uma tendência intimista da moderna literatura brasileira. Sua obra apresenta como principal eixo o questionamento do ser, o 'estar-no-mundo', o intimismo, a pesquisa do ser humano, resultando no chamado romance introspectivo. 'Não tem pessoas que cosem para fora Eu coso para dentro', assim explicava a autora o seu ato de escrever. Nesse eterno questionar, a obra da romancista apresenta uma certa ambiguidade, um jogo de antíteses marcado pelo eu e pelo não-eu, o ser e o não ser, já notado, de outra forma, na obra de Guimarães Rosa.

No nível da linguagem, percebe-se também em Clarice Lispector uma certa preocupação com a revalorização das palavras, dando-lhes uma roupagem nova, explorando os limites do significado, ao mesmo tempo que trabalha metáforas e aliterações. Há inclusive uma preocupação muito grande com aquilo que está escrito sem o uso da palavra, o que está nas entrelinhas.

Essa literatura introspectiva, intimista, vem se colocar como uma tendência na prosa moderna do Brasil, afastando-se mais do social, do retrato da sociedade em crise, para a crise do próprio indivíduo, sua consciência e inconsciência.

Resumo 1.

A obra apresenta um narrador em terceira pessoa e tem como personagem principal uma mulher, cujo nome é Loreley, mas é chamada de Lóri. Lóri é de família de posses, de origem agrária. Vive no Rio de Janeiro, separada da família, sozinha, trabalhando como professora primária. Para manter um padrão de vida acima das possibilidades de uma professora, Lóri recebe mesada do pai.
Vejamos o começo da obra:

,estando tão ocupada, viera das compras de casa que a empregada fizera às pressas porque cada vez mais matava o serviço, embora só viesse para deixar almoço e jantar prontos[...]

Este início, com uma vírgula antes de qualquer palavra, e, na sequência, um período longo, aparentemente incompleto, sem 'começo', faz parte da estrutura formal da obra e demonstra um dos traços dominantes na obra de Clarice Lispector: a preocupação com a escrita, com as possibilidades de as palavras representarem [ou não] as sensações, as percepções, enfim, a condição humana. No livro em estudo, este início fragmentado pode ser interpretado da seguinte maneira: a narrativa apanha um determinado momento da personagem Lóri. Ou seja, o livro fala sobre Lóri a partir daquele momento em que ela estava ocupada, pensou na empregada, etc. O que veio antes daquele momento, disto a narrativa não se ocupa. O ponto de partida é aqui: , estando ocupada... Assim, este livro capta um momento de Lóri, nem antes, nem depois. A representação parcial da vida de Lóri, dá-se, no plano da escrita, por uma parcialidade formal: o romance começa com uma vírgula e termina com dois pontos. Aqui está o final do livro:

-Eu penso, interrompeu o homem e sua voz estava lenta e abafada porque ele estava sofrendo de vida e de amor, eu penso o seguinte:

Posta nestes termos, a narrativa dá a ideia de continuidade: Lóri, sua vida, seu mundo, existiam antes e existirão depois do livro.

Não é uma história de amor comum. Logo na primeira página do livro, sabemos que Lóri mantém um relacionamento com Ulisses [tendo um encontro com ele, busca entre as suas roupas um vestido para ficar 'atraente']. As características deste relacionamento vão sendo desvendadas ao longo da narrativa. Ulisses é professor universitário de filosofia. Aos poucos vamos sabendo que Lóri está 'aprendendo a amar', ou a 'ter prazer', com Ulisses. São vários os momentos narrativos em que isto fica explícito: ela está sendo 'preparada para a liberdade por Ulisses', 'Ulisses determinará quando ela estará pronta para dormir com ele'.

A aprendizagem de que nos fala o título é o caminho que percorre Lóri enquanto dura a narrativa. Este processo terá sua conclusão quando Lóri estiver 'pronta' para dormir com Ulisses. Não se pense que este 'pronta' significa uma virgem preparando-se para seu primeiro amor. Lóri já teve outros amantes, que ela desqualifica, não como amantes, mas como relacionamentos inconsistentes ou superficiais. Trata-se de, com Ulisses, aprender ou descobrir o prazer para além do meramente sexual: algo como um amor total, com a personagem sentindo-se 'plena'. Esta é a travessia do livro, a trajetória a ser percorrida pela personagem. Em meio a este percurso, Lóri tem que se haver com inseguranças, medos, hesitações, encontros e desencontros com Ulisses: é a angústia d busca. Trata-se de uma busca que, a esta altura, não se resume apenas no ato de 'dormir' com Ulisses. Lóri pretende dar um 'passo à frente' na sua vida. O relacionamento com Ulisses, cujo ápice se dará quando estiver 'pronta', recobre-se de um significado especial, uma 'plenitude'. Depois de vários encontros nos quais conversavam sobre a 'aprendizagem' de Lóri, Ulisses diz a ela, num dado momento que, a partir daquele momento, não mais a procurará. Ela está 'pronta'. Ela sabe os seus horários de aulas, sabe os momentos em que ele estará em casa. Ulisses diz que vai esperá-la, querendo que ela não telefone avisando: 'Queria que você, sem uma palavra, apenas viesse'. A decisão de Ulisses causou um primeiro impacto em Lóri, que hesitou, demorou, mas numa madrugada chuvosa, estando 'mansamente feliz', teve o desejo: imediatamente, sem sequer trocar a roupa, apanhou um táxi, vestida com uma camisola, e foi até a casa de Ulisses. Amaram-se. Falam em filhos e casamento. Segue-se um diálogo no qual Lóri e Ulisses conversam sobre o amor, sexo, solidão, Deus e a obra termina com a frase em letras itálicas acima.

Resumo 2.

Baseia-se na história de Loreley [apelido:Lóri], professora primária que passa a viver no RJ após sair da casa de seus pais, em Campos. De família rica, com quatro irmãos homens, tinha suas regalias por ser a única filha mulher.

Ela conhece Ulisses, professor de filosofia, numa noite em que esperava um táxi e ele lhe ofereceu carona. A partir daí, após ter tido outras experiências amorosas, esta era realmente verdadeira. Ela amava pela primeira vez e tinha que passar por este processo de aprendizagem desse novo sentimento, o qual ela tinha de aceitar.

É o último romance de Clarice Lispector que trata do mundo puramente feminino, pelo menos na superfície [e no qual, significativamente, a protagonista avançou anos em relação direta com a autora].

Tem um título quase documentário: 'Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres'. A obra esmiúça as dúvidas e anseios de Lóri, que pela primeira vez experimenta o amor e o prazer, mas tem medo de perder a própria identidade no processo. O processo, naturalmente, é a sua lenta e não raro, solitária aprendizagem, através da qual ela logra com sucesso sintetizar os extremos antes irreconciliáveis de independência [ sua vida pessoal ] e dependência [ o amor ou o vínculo matrimonial ].