Movimento literário: Modernismo 1a. fase
Temos aqui uma coletânea de contos extraída de diferente livros de Mário de Andrade.
Características:
estilo: linguagem coloquial, próxima da oralidade, bilinguismo, utilização de neologismos, aproximação com as estéticas de vanguarda como o Expressionismo e o Surrealismo. Sintaxe pouco ortodoxa, utilização de pontuação livre e captação do fluxo da consciência.
narração:
-Contos em primeira pessoa:
Vestida de Preto: relata o amor adolescente do narrador por sua prima Maria, em que os destaques são o beijo trocado quando crianças e o reencontro que o deixa extasiado ao vê-la vestido de preto, encostada no umbral da porta.
Peru de Natal: narra um natal com a presença de toda a família, à exceção do pai do narrador, falecido. Há uma 'luta' entre a memória e o concreto, representados, respectivamente, pela imagem do pai e pelo peru.
Frederico Paciência: versa sobre uma amizade adolescente entre dois rapazes que se aproxima do amor homossexual.
Tempo da Camisolinha: a partir de fotografias, a recordação do narrador voa no tempo e relembra seu primeiro sofrimento.
-Contos em terceira pessoa:
O Ladrão: conto de captação de atmosfera. Um ladrão indeterminado surge. É perseguido no meio da noite. Não se soube se era e quem era o ladrão, mas o episódio serviu para solidarizar os habitantes de uma rua.
Primeiro de Maio: 35 era carregador de malas na Estação da Luz. No dia 1o. de maio resolveu não trabalhar. Perambulou o dia todo e acabou carregando malas.
Atrás da Catedral de Ruão: conto de captação psicológica, traz as neuroses, ansiedades e aflições sexuais de uma francesa solteirona solitária.
Poço: focaliza as disparidades sociais, opondo o profundo contraste entre o proprietário abastado, e suas exigências mesquinhas, e o trabalhador braçal miserável e explorado.
Nélson: alguns rapazes tentam reconstruir, em uma conversa de bar, a vida de um dos frequentadores, homem estranho e solitário.
Caso pançudo: este conto apresenta um episódio inusitado, tendo como ambiente o interior paulista, tipicamente caipira, na atitude e na linguagem. Nhô Rezende, dono de terras, tem problemas com um fazendeiro vizinho, conhecido por sua valentia, o Feliupão. Ocorre que, com frequência, uma porca do Felipão invade a propriedade de Nhô Rezende. Este avisa o vizinho para evitar as costumeiras invasões, alertando que tomará uma atitude. Após avistar a porca por mais uma vez, Nhô Rezende espanta o bicho com um tiro. A porca some. Felipão vai ao vizinho tirar satisfações e ambos trocam ameaças. Na sequência, um dos nove filhos de Nhô Rezende desaparece. Após algum tempo, a mulher de Nhô Rezende pergunta: 'Mecê vai lá ', sendo que este lá todos já sabem onde é - a fazenda do Felipão. 'Vou' é a resposta do marido. O diálogo entre os vizinhos é ríspido, cheio de ameaças. Felipão afirma nada saber do menino, ao mesmo tempo em que quer saber da porca. Nhô Rezende retruca dizendo que não tem nada a ver com o sumiço do animal. Felipão admite saber do menino: 'Mecê ache minha porca que eu acho o Martinho'. O caso vai para a polícia. O delegado ameaça, prende Felipão, a mulher de Nhô Rezende implora, mas ele é inflexível: quando achassem a porca, teriam de volta o menino. Já com tanta gente envolvida, toda a propriedade do Felipão é vasculhada: nada de Martinho. A esta altura, todos procuram o menino e a porca. Até que um dos empregados de Nhô Rezende acha o bicho, já quase morto, num lodaçal. O Felipão fica indignado: 'Ocês mataram a minha porca, pois agora é que eu não conto'. A narrativa termina de maneira tenebrosa: a cena sai da teimosia de Felipão e vai para uma gruta, fechada por uma pedra, distante 'duas léguas' da fazenda de Nhô Rezende. Lá dentro adormecido, com uns restos de pão, está Martinho. A última palavra do conto: 'Ratos'.
Túmulo, túmulo, túmulo: O início dá a perspectiva da narrativa: 'Belazarte me contou:' . Ou seja, um suposto narrador em terceira pessoa abre o conto com esta afirmativa e passa a palavra ao Belazarte, que se torna o narrador em primeira pessoa. Após esta primeira fase, é Belazarte quem comanda a história. E a história que vai ser contada tem como justificativa inicial uma característica do protagonista: ele diz que, 'como todo brasileiro' é perdulário. Se ganha algum dinheiro extra, gasta. Assim, como o momento financeiro lhe era favorável, Belazarte resolveu ter um criado. E o criado foi contratado de maneira inusitada: tendo percebido, no percurso do bonde, que o mesmo sujeito tinha ido e voltado na condução, Belazarte aproximou-se, puxou assunto, ofereceu emprego e o sujeito, um 'negrinho' de nome Ellis aceitou. Com o tempo, Ellis, apesar de não apresentar serviço de primeira qualidade, virou empregado de confiança. Criou-se um elo afetivo entre Balazarte e Ellis. O criado só saiu da casa de Balazarte para casar, prometendo aparecer sempre que o patrão precisasse. Belazarte foi padrinho do casamento. Passado alguns meses, Ellis tem dificuldades na nova vida: os empregos são raros, trabalha aqui e ali, como pedreiro, fica doente, com problemas respiratórios. Belazarte ajuda, ora com dinheiro, ora com oferecimento de serviços. Dora, mulher de Ellis, engravida. Nasce um menino, Belazarte é convidado para padrinho e, antes mesmo do batizado, Dora adoece e morre. Quando Ellis comunica o acontecido a Belazarte, este reflete: 'parecia mais incapacidade de sofrer que tristeza verdadeira'. O menino também não sobrevive. Quando morre, Ellis nem pode tratar do enterro, pois já estava bastante doente - tuberculose. Belazarte toma conta de tudo, da própria vida de Ellis, que a esta altura já não mais sai da cama. Algumas semanas após, Ellis também morre, tendo a seu lado Belazarte, por quem chamara nos últimos momentos.
I. ESTUDO DA LINGUAGEM E ESTILO
Mário de Andrade foi um pesquisador da linguagem, um laboratorista da língua. Não lhe bastava escrever textos, sua preocupação era elaborar textos. Para aprontar a obra em questão, Mário de Andrade dedicou muitos anos: como afirmou ele mesmo, de 1927 a 1942!
Ele próprio traçou um plano de trabalho, assinalando os contos que já estavam prontos, os que deveriam ser modificados e até os que não comporiam a obra.
A força expressiva do autor revela-se não só pelo emprego da palavra, que recebe forte carga conotativa, mas também pela pontuação subjetiva, pelo emprego de vocábulos vazios que adquirem novos significados, como se pode ver no emprego de etc no conto O Peru de Natal:
'Morreu meu pai, sentimos muito, etc.'
'Comprou-se o peru, fez-se o peru, etc.'
Suas personagens são fortemente coloridas e impregnam os contos com forte odor de valores humanos contestados ou vilmente aceitos, dada a impossibilidade de reação diante do inexorável.
O espaço e o tempo das narrativas harmonizam-se como o todo da fábula, conferindo o máximo de verossimilhança e coerência entre a expressão literária e a realidade palpável do receptor.
II. ANÁLISE DAS IdeiaS
Todo teto, compreendido como certa organização de signos linguísticos, é portador de uma mensagem.
Cada texto é produto daquilo que o emissor idealizou como objetivo de seu processo de comunicação. O texto sempre tem uma finalidade: dialoga com outros textos, à medida que expressa a cosmovisão do autor, e com o receptor, à medida que lhe fornece novas leituras da realidade concebida pelo emissor.
Um leitor atento e preparado desencrava as ideias que o texto veicula. É nesse ponto que descobre o ponto-de-vista do narrador.
A história, a sequência de fatos, os episódios funcionam como simples pretexto, veículo para que o escritor transporte sua mensagem. Não é a fábula um fim, mas um meio.
Nos contos narrados em primeira pessoa, o autor faz a personagem principal abrir para o mundo o que lhe marca a alma. Aponta uma cicatriz indelével, deixada não só pela relação erótico-amorosa com a primeira namorada [Vestida de Preto] e pela relação familiar e social com a mãe, o pai, os parentes e os amigos [Tempo da Camisolinha, O Peru de Natal e Frederico Paciência], mas também pela relação com todo um mundo desconhecido e perigoso, que, implacável, vai corroendo a pureza da existência, até torná-la sombria.
III. COMENTÁRIO CRÍTICO E VALORATIVO
Os contos que compõem a obra estudada pelo trabalho artesanal da palavra. Mário de Andrade ocupou muitos anos no afã de elaborar seus textos. Escreveu, reescreveu, suprimiu partes, incluiu outras.
Enfim, o produto resultou uma obra com evidentes marcas de um labor persistente de aperfeiçoamento.
Cada conto é uma joia, uma obra-prima que transforma o livro impresso numa espécie de 'caixa de surpresas' que o leitor vai descobrindo a cada leitura atenta.
Passo a passo, período a período, o receptor perspicaz vai deparando com efeitos de linguagem surpreendentes.
Um bom exemplo carregado de metáfora é o da caneta-tinteiro de Joaquim Prestes, caída no poço: símbolo de autoridade e supremacia que se enlameia e se desprestigia pôr se tornar inútil. Mas há, ainda, outras canetas e lapiseiras, e uma é de ouro: autoridade e prestígio não se perdem assim. Há reservas!
IV. RESUMO DO ENREDO
VESTIDA DE PRETO
Juca, narrador-personagem de cunho autobiográfico, ama Maria de um amor ingênuo, intemerato, casto. Têm ambos a tenra idade de cinco anos. Para Juca, a maior felicidade é tê-la por perto, nas brincadeiras na casa da Tia Velha, um casarão sem jardim, porém com muitos quartos. Como a família é grande, há muitas crianças peraltas. Tia Velha, para evitar distúrbios em casa, induz as crianças a brincar 'de casinha' - ou de 'família',, como prefere o narrador. Para o garoto Juca nada há de melhor: Maria é a mãe-de-família.
Juca insiste em que não há maldade em suas brincadeiras. Não que ele a desconheça: o amor é que é puro. Nisto, entretanto, há toda uma descoberta prazerosa.
Certa feita, num dos quartos da casa da Tia Velha, Juca e Maria brincam de 'família'.
Há por lá um travesseiro, testemunha muda dos instintos de Juca [e de Maria]. Ela vai brincar de dormir. Pega o travesseiro, deita-se e chama Juca, pois 'já é tarde'.
Ocorre aí o primeiro beijo roubado, depositado na nuca de Maria. A Tia Velha surpreende-os e Juca vê seu sonho despedaçar-se. Maria passa a evitá-lo até a idade adulta. Insulta-o, quando pode, à vista de gente.
Juca torna-se estudante mal resolvido, toma bombas na escola, é mau aluno. Gosta só de Português e Desenho, relaxa no resto.
Repentinamente toma gosto pelo estudo e se dedica a qualquer modalidade de saber, mesmo sem orientação. Quer saber tudo.
Maria, depois de 'namorar Deus e todo mundo', casa-se com um ricaço, diplomata, e parte com ele para a Europa. Juca sente que lá ela se degrada. Maria retorna ao Brasil, já separada do marido diplomata, e Juca vai visitá-la certa ocasião. Vê uma mulher linda, vestida de preto, a sorrir-lhe. Ele lhe dirige apenas um cumprimento e sente como se a imagem dela se dissipasse. O narrador encerra o conto com estas palavras: 'Mas dentro de mim, Maria...bom: acho que vou falar banalidade.'
O LADRÃO
Um bairro proletário inteiro, certa noite, e já passava da meia-noite, põe-se, aos poucos, a perseguir um suposto ladrão, não identificado e nem visto por ninguém: todos atenderam a um simples grito - 'Pega!'
Janelas vão-se abrindo, luzes se acendendo, gente saindo às pressas para caçar o tal ladrão. Há corajosos, valentes, faladores, covardes, moços, velhos, mulheres...
A tônica do texto é a solidariedade que aparentemente não cobra: é o socorro mútuo dos desamparados.
A partir da correria pelas ruas do bairro, vai-se desenvolvendo a peripécia: surgem tipos, revelam-se caracteres. Há falso moralismo e real moralidade. O pretexto da perseguição abre as portas para marcar as relações sociais no bairro.
O grau de solidariedade [no infortúnio] vai-se acentuando. A 'autoridade', representada no guarda fardado e com apito, dissolve-se no caldo das relações sociais. O polícia não é nada além do que mais um na multidão sem rosto.
A liderança é levemente insinuada em tom de disputa interiorizada nos indivíduos.Porém, a solidariedade persiste: todos perseguem o nada.
O conto ressalta a importância feminina no bairro:
'Na janela do cortiço, depois de mandar pra cama o homem que aparecera atrás dela, uma preta satisfeita de gorda assuntava.'
'A italiana de uma das casas operárias defronte vira tudo, nem se resguardava: veio no camisolão, abriu com energia passagem pelos homens, agarrou a menina nos braços, escudando-a com os ombros contra tiros possíveis...'
'A mocetona gesticulava, com o lzinho da 'vanity-case'...'
Só a portuguesa, a que tem comportamento imoral, não é valorizada. Ela não simboliza o brio e a decadência dos moradores do bairro.
Na verdade, todos os homens a cobiçam, alguns já foram além da cobiça, porém, não há confessar eventuais encontros. Apenas o 'Entregadorzinho de pão' arriscava pôr-se a descoberto. Mas teria ele 'só...quinze ou dezesseis anos ' Ele era criança, era amoral.
A italiana, mãezona de todos, protetora dos fracos, vigia atenta a moralidade daquele espaço; oferece cafezinho aos dignos, mas não ao guarda.
Um obscuro - quase apagado - tocador de uma nota só [tudo quanto executa em seu violino é uma única valsa] procura o reconhecimento que não lhe vem. Não há destaques no bairro, todos são iguais e solidários.
O aplauso que lhe toca a alma não lhe pertence de todo. O bairro aplaude porque alguém iniciou as palmas, mas não se sabe quem nem para quê. O gesto de um é o gesto de todos.
Há união na ignorância de tudo e de todos. Mas há senso moral: uns o defendem à vista de todos [a portuguesa é a 'vergonha do quarteirão'], outros o defendem para não perder a honra.
A portuguesa imoral termina por debulhar-se em lágrimas: 'Foi deitar sem ninguém'.
Acabada a peripécia, acaba a perseguição ao ladrão. Todos vão cuidar de suas próprias vidas, sem se preocupar com o que se passara, como inconscientes de seus atos.
PRIMEIRO DE MAIO
Neste conto, o autor trabalha a cachoeira de pensamentos e atos de sua personagem, também sem nome. Identifica-se pela 'chapinha' que usa no boné de carregador de malas na Estação da Luz. Era o 35. Em algarismos, mesmo. Assim, ele não passará jamais de um número - um número pensante.
É aqui que Mário de Andrade deixa à luz suas ideologias políticas de adepto da esquerda.
Dia 1o. de Maio. Dia do Trabalho. Dia do Trabalhador. Dia do 35.
Pela manhã, nem bem seis horas, o 35 já está de pé. Aprontava-se eufórico para festejar o seu dia. Dia do Trabalhador.
Na véspera ele já anunciara para os amigos a intenção de festejar a data. Os mais velhos [e mais calejados] zombaram dele, na cara de seus vinte anos: 'trabalho deles não tinha feriado'.
Agora, já pela manhã, o 35 aprontava-se, barbeava-se diante do espelho. Achava-se bem apessoado, orgulhoso de seus músculos de carregador. Hoje era 1o. de Maio. Dia do Trabalho. Dia do Trabalhador.
O 35 já havia lido em jornais que trabalhador era menosprezado, sofrido. Lera também que, neste dia, o mundo esperava grandes 'motins' provocados pelos trabalhadores.
A polícia estava atenta. Havia policiais pelas ruas, nas portas das lojas fechadas, dos bares fechados, dos bancos fechados... A polícia era horrorosa, merecia apanhar 'nas fuças'.
O 35 saiu de casa para as festividades da data. Seu traje era especial: roupa preta de luxo, gravata verde com listinhas brancas e aqueles admiráveis sapatos de pelica amarela - bandeira nacional [menos a roupa preta].
Tão habituado [condicionado] estava, que se viu no trajeto da Estação da Luz. Percebeu isto. Continuou: talvez visse alguns colegas - aqueles que não iriam festejar. Ele, sim, iria.
No transcorrer desse dia, os pensamentos esquerdistas, as ideias comunistas perpassam a cabeça do 35. O discurso utilizado pelo narrador é o indireto livre, através do qual Mário de Andrade trabalha o fluxo de consciência de sua personagem.
O conto se desenvolve centrado nos pensamentos da personagem, diante da sensação da necessidade de lutar, de transformar, de valorizar o trabalhador.
Paralelo a isso, demonstra também a sensação de impotência e de inferioridade que assalta a 35 diante da constatação de que na realidade o trabalhador não é valorizado.
No 1o. de Maio, o 35 perambulou em sua elegância nacional por todo o centro da cidade. Viu as atrocidades que se cometem contra o trabalhador. Enxergou sua impotência.
Comprou uma maçã. Era bem vermelha. Pagou caro.
Voltou para a Estação da Luz. Os companheiros o rodearam para saber de suas comemorações. Deu um palavrão e um 'muxoxo de desdém pra tudo'.
Termina por ajudar o 22, um velho carregador que se atrapalhava com quatro malas pesadas, trazidas por mais 'cabeças chatas'.
ATRÁS DA CATEDRAL DE RUÃO
Quatro mulheres [Dona Lúcia, suas duas filhas - quinze e dezesseis anos - e uma professora de francês] fazem as peripécias deste conto.
Dona Lúcia, abandonada pelo marido, carrega uma tristeza disfarçada. Entrega-se a obras de caridade e mantém Mademoiselle como uma espécie de dama-de-companhia das filhas, moças viajadas, conhecedoras do inglês, do alemã e do francês, língua de que se servem para manter o hermetismo de sua comunicação suspeita com Mademoiselle.
A professora de francês revela um comportamento histérico, farto de sensualidade semi-reprimida, manifestada através de 'tiques frenéticos' e 'gritinhos' denunciadores.
Mademoiselle está nos quarenta anos de idade, solteira e desesperada. Entretanto, finge - não finge encobrir suas ansiedades e isto é, a um tempo, diversão e uma espécie de aprendizado da sexualidade para as duas garotas.
Estabelecem-se, assim, os diálogos em francês, reveladores de toda a carga erótica do conto.
Tal se dá não porque o idioma seja usado para explicitar tal carga; ao contrário, a língua francesa empregada nos diálogos fecha o processo de comunicação entre as três constituindo o código secreto com que se deliciam. Mais ainda, as duas meninas transformam o idioma em seu código particular, relativamente à sua própria cúmplice.
Desta forma, o narrador estabelece situações reveladoras das mazelas individuais das personagens: uma mãe destituída da presença masculina [sexualidade interrompida], uma professora quarentona e virgem no desespero de sua sexualidade 'irresolvida' e duas adolescentes descobrindo as 'coisas enrubescedoras' do sexo.
O POÇO
Joaquim Prestes é homem rico, fazendeiro mandatário da região. Nasceu fazendeiro, por herança.
Não conseguiu nada com seu próprio trabalho, não aprendendo, assim a lidar com as pessoas como se fossem seus semelhantes. Sentia-se superior, acreditando que sua vontade era única que deveria prevalecer.
Assim fora educado, mas não era mau de coração. Tinha até alguma generosidade; não sabia usá-la, entretanto.
Sua propriedade era luxuosa, possuía três carros [um deles feito de encomenda] e isso era incrível sinal de poder econômico à época [ o conto data de 1942].
Os empregados dedicavam-lhe não só respeito, mas admiração. Sua palavra era indiscutível.
Joaquim Prestes adquirira terras na barranca do Rio Mogi, onde construíra instalações da melhor qualidade. Ali seria o local para suas pescarias. Mas e a água potável? Precisava cavar um poço. E não se discutisse. Resolvera furar um poço.
A obra ficaria por conta de seus homens, que sabiam de tudo um pouco: eles construíram a casa, montavam a fazenda, faziam as instalações e furavam o poço.
A rudeza de Joaquim Prestes era sabida. Não era homem de conversa. Era de ordens. Num dos dias em que visitava o local. Prestes quis saber como ia a escavação do poço, depois que vira os seus empregados aquecendo-se à beira do fogo, num dia muito frio e chuvoso. Ele não pagava ninguém para se aquecer. Pagava para trabalhar. Fê-los retornar à luta impossível naquele dia friorento e chuvoso.
Como lhe disseram que a água já brotara no fundo, ele quis comprovar. Debruçado sobre o madeirame da obra, procurando ver o fundo do poço, cai-lhe no precipício a caneta-tinteiro.
Os empregados, que já se haviam retirado da obra, são chamados. A caneta-tinteiro não pode sumir na lama do poço. É a caneta do patrão.
Muito trabalho acontece em busca da caneta afundada e o clima, a partir disso, torna-se tenso, carregado de muita discussão, o que leva um dos homens a afrontar Joaquim Prestes com seu pedido de demissão. O patrão era quem demitia: a decisão de afastar-se não podia partir de um simples empregado.
José, outro dos empregados, irmão de Albino, o doentio e servil ajudante, irrita-se profundamente com as exigências do patrão e decide encerrar as buscas à caneta. Chega o clímax da narrativa.
Enfim, acha-se, no dia seguinte, a caneta-tinteiro. É limpa, embrulhada e levada ao patrão, que a descobre inutilizada, arranhada e rachada. Joga-a pôr imprestável que ficara.
Abre uma gaveta. Nela há lapiseiras e canetas guardadas. Uma é de ouro.
O PERU DE NATAL
Juca apreciara a figura do seu pai, homem de 'natureza cinzenta', 'ser desprovido de qualquer lirismo, duma exemplaridade incapaz, acolchoado no medíocre':
'...Meu pai fora de um bom errado, quase dramático, o puro-sangue dos desmancha-prazeres'.
Passavam-se cinco meses da morte do pai e era Natal.
Nas ocasiões natalinas anteriores, nada de 'gostoso' acontecia. Tudo tinha sabor de chateação. Não se gastava dinheiro com peru. Agora, Juca queria um Natal com peru.
Era louco, sim. A família toda, mãe, irmãos, parentes chatos, todos o tinham por doido. Ele próprio se aproveitava de tal situação para dar explicação a seu comportamento 'diferente'.
Absurda a ideia de Juca venceu. Havia peru com farofa no Natal. À mesa, a mãe, ele e os irmãos. Juca sente extrema afeição pela mãe, pela tia [que morava com eles] e pela irmã, as três mulheres-mães dele.
Peru posto na mesa. E evocação da figura do pai. Uma raiva do defunto toma conta de seus sentimentos. O peru morto é destrinchado. O pai é destrinchado. É uma luta com o peru. É uma luta com a memória do pai.
Aos poucos, diante da felicidade de ver a família reunida, comungando a ceia de Natal, a figura indesejada do pai vai-se anulando. A guerra vai sendo vencida. O pai agora distante: uma estrelinha lá no céu.
Acabada a refeição, todos vão descansar. Juca sai para ver Rose. Beija as três. Para a mãe, ele pisca.
FREDERICO PACIÊNCIA
O conto insinua uma relação não-convencional entre o narrador-personagem e seu amigo Frederico Paciência.
Essa relação principia com a admiração que Juca nutre pelas características de Frederico, das quais ele possui o oposto: Frederico é aplicado, Juca é aluno medíocre; Frederico tem vigor físico, Juca não o demonstra; Frederico é autenticamente corajoso, Juca é acovardado...
O narrador confessa querer imitar o colega e isso faz com que se aproximem, por iniciativa de Juca, o narrador. Tal aproximação começa a produzir um efeito de 'transferência' de personalidade.
Certa feita, revidando à maledicência de um colega causada pela relação entre os dois amigos, Frederico parte para a agressão física. Em seguida, Juca o imita, esmurrando o agressor.
O grau de relação homossexual que perpassa o conto vai-se desestimulando com a mudança de Frederico para o Rio de Janeiro, quando a correspondência epistolar vai-se, aos poucos, tornando menos intensa...
NELSON
Num bar, alguns rapazes aproveitam o momento de lazer para observar um estranho frequentador [Nelson]. Trata-se de um tipo esquisito e solitário que em uma das mesas bebe copos duplos de chope.
Todo o enredo gira em torno da vida presumível de Nelson; entretanto, nada se comprova: são histórias ouvidas de terceiros. A garçonete do bar, Diva é também nebulosa e se desdobra numa espécie de proteção à figura de Nelson. Por quê ...
Diva, além de garçonete, presta atenção aos outros fregueses do bar e não aprova a curiosidade dos rapazes relativamente ao pretenso passado da personagem principal.
Nelson é portador de grave sequela de algum acidente em uma das mãos, tão grave que causa mal-estar a quem a olha. Por isso, Nelson sempre oculta a mão defeituosa.
O local da residência de Nelson também não é bem definido no conto, que , aliás, prima por manter o enredo em certo clima de incertezas.
TEMPO DA CAMISOLINHA
Este conto retoma a temática da temida autoridade paterna de Juca, que, aos três anos de idade, vestido de camisolinha - roupa bem infantil - tem seus longos e cacheados cabelos cortados por ordem do pai.
É grande o trauma que a criança sofre. Chora, esperneia, fica emburrado. Mais se agrava a situação quando lhe dizem que assim, de cabelos cortados, ficava 'um homem'.
Ocorre que ele não queria ficar adulto tão cedo: era bom ser criança. Por que o obrigavam a ser gente grande
A situação que o constrange é compensada por um presente que ganhara de pescadores, em Santos, quando passava férias com a família: três estrelas-do-mar.
Nova frustração lhe ocorre posteriormente, quando, em certa ocasião, vê-se obrigado a dar a maior das estrelas - suas estrelas da boa sorte - a um velho trabalhador desafortunado.
Essas frustrações expõem o narrador à aprendizagem dolorosa da inexorabilidade da angústia pessoal e da sensibilidade para com os dramas alheios.
V. ESTUDO DAS PERSONAGENS
Narrativas em primeira pessoa
Os contos que compõem esta obra de Mário de Andrade constroem-se em primeira pessoa:
Vestida de Preto
O Peru de Natal
Frederico Paciência
Tempo da Camisolinha
ou em terceira pessoa para os demais contos.
Os que se estruturam com narrador-personagem [narrador-participante] apresentam o mesmo narrador: Juca, protagonista de todas as situações.
As narrativas expressam sempre o stress emocional e a dificuldade de adaptação a um mundo preconcebido, contra o qual a personagem luta.
A edição ora estudada não dispõe os contos de tal forma que se perceba uma sequência: infância [Tempo da Camisolinha], adolescência [Vestida de Preto, Frederico Paciência] e juventude [O Peru de Natal]. Preferiram os editores manter a ordem em que o autor os dispôs.
Juca, na infância, já se percebe contestador da ordem imposta ao mundo em que vive. Em Tempo da Camisolinha, aos três anos de idade já se revolta com a decisão paterna de lhe cortar os admirados cabelos longos e cacheados. O uso da camisolinha, imposição materna, mostra um Juca crucificado entre dois mundos: o da puerilidade [camisolinha] e o da vontade paterna de vê-lo 'um homem' [corte de cabelos]. Instaura-se a luta pela defesa da personalidade própria, independente.
No episódio das estrelas-do-mar, Juca aprende que as vontades pessoais curvam-se ao sentimento de solidariedade.
Na adolescência [Vestida de Preto e Frederico Paciência], Juca encontra-se cara-a-cara com a descoberta do sexo, do amor, da paixão, num espaço em que esses sentimentos são reprimidos.
Em Vestida de Preto, há a paixão proibida por uma prima distante, num ambiente em que o afeto não tem o devido lugar. O sentimento do errado e do feio é levado às últimas consequências, mormente pela postura da Tia Velha, figura por quem Juca nutre verdadeiro ódio. A descoberta das coisas ligadas ao sexo e à paixão por Juca torna-se um verdadeiro suplício.
Em Frederico Paciência, ecoa novamente a voz do sexo, do sexo encoberto pela admiração e respeito.
A sexualidade de Juca vive um misto indecifrável entre o conceito de amizade e de sedução.
Frederico, o amigo de Juca, apresenta todas as características de um jovem perfeito, seja física, moral ou intelectualmente. É excelente aluno, tem elevado senso de moral [critica duramente Juca por causa da leitura de um livro erótico], é fisicamente saudável. Certa ocasião, ofendido por um colega, dá-lhe violenta surra. Juca é, em tudo, o oposto. Imita-o porém, levado pela doentia admiração. Chega, inclusive, a espancar o mesmo colega que ofendera Frederico e a ele, por extensão. A reação de Juca foi mais por imitação do que por senso de brio. Com o passar do tempo, Juca assume sua diferença e a amizade esvai no tempo e no espaço.
A vivência dessas emoções, então, torna-se um martírio para a personagem, que sofre uma ambiguidade do certo e do errado, do bem e do mal.
Na juventude, a relação com o pai, amargurada desde a infância, é descarnada em O Peru de Natal.
O peru da ceia de Natal reflete um gesto acintoso de Juca, uma afronta não muito clara à memória de um pai que era 'duma exemplaridade incapaz, acolchoado no medíocre...o puro sangue dos desmancha-prazeres.'
Há uma morfose vingativa: 'Morreu meu pai, sentimos muito, etc ',' Comprou-se o peru, fez-se o peru, etc.'
Juca, na ceia de Natal, destrinça o peru-memória do pai: outra vez o drama da relação com um mundo que não cabe nos conceitos dele.
Juca é a representação da inaceitação, do não-conformismo, do louco que persegue a infringência dos hábitos, costumes e das relações interpessoais. Essa postura, entretanto, lhe é profundamente perturbadora e cruel.
As narrativas têm cunho autobiográfico: muito da personalidade do autor é refletido nas ações de Juca, principalmente naquilo que se refere à veneração pela mãe e à ojeriza pela figura fria e distante do pai.
Narrativas em terceira pessoa
Os contos narrados em terceira pessoa são O Ladrão, Primeiro de Maio, Atrás da Catedral de Ruão, O Poço e Nelson.
Todas as personagens são de um colorido incandescente, impregnadas por um caráter revestido da sordidez humana, cada qual revelando uma faceta das mazelas do homem.
A psicanálise freudiana é aplicada de forma generosa. Por ela Mário de Andrade vasculha os caminhos do comportamento, recolhendo em cada página aquilo que encontra de maior vileza, de maior distorção. A voz do narrador-onisciente impõe a exposição da alma das personagens.
O conto O Ladrão trata de uma personagem semicoletiva, importa mais o geral que o particular.
Assim, as características individuais são diluídas e só se identificam quando valorizam o 'todo'. Por isso, praticamente não são nomeadas. A atividade delas, no meio em que vivem, é o que as identifica: o polícia, o padeirinho, o violinista... ou então a identificação xenófoba: a portuguesa, a italiana.
A condição etária também serve para mostrar o grau de depreciação das personagens:
'padeirinho', por ter quinze ou dezesseis anos; 'mocetona', por ser nova, grandalhona e espalhafatosa. O recurso usado pelo autor, neste aspecto, torna as personagens sem rosto: apenas uma massa informe que gravita ao redor de sua mísera existência.
Em Primeiro de Maio, a personagem, também sem nome, é o 35. Um número! Nota-se novamente a despreocupação de Mário de Andrade pelo individual.
Seu interesse está centrado na ação coletiva. Todo agir isolado converge para um efeito grupal.
O 35 é carregador de malas na Estação da Luz [São Paulo]. Exerce uma atividade inferior, que não exigirá do profissional um preparo intelectual: carregador não precisa pensar. Mas o 35 pensa. Tem noção de seus direitos. Lê manchetes de jornais expostos na banca. Tem noção do Dia do Trabalhador e das cores nacionais. O 35 acha importante a data do Dia do Trabalho e quer comemorar o 'seu dia'. Veste-se com roupas que o identificam como brasileiro, mas seus colegas de profissão não têm a consciência que ele possui e o 35 preocupa-se com isso. Anda pelo centro da cidade à procura das solenidades, mas só vê polícia: polícia nas comemorações do Dia do Trabalhador, polícia para evitar manifestações...O 35 revolta-se.
Vê que há liberdade para comemorações num espaço restrito, fechado, cercado por polícia: liberdade-prisão. O sistema deve ser preservado.
O 35 nada pode fazer contra essa situação. Volta à Estação da Luz. Não revela aos colegas, que permaneceram no seu dia de trabalho, a frustração envergonhada que lhe rói a alma. Percebe, então, que a solidariedade é a arma que se usa pra conquistar alguma coisa, e vai ajudar o 22 a carregar quatro pesadas malas. Riem e enfrentam seu implacável destino.
Quatro mulheres compõem o universo humano em Atrás da Catedral de Ruão: Dona Lúcia, mãe de Alba e Lúcia, adolescentes com quinze e dezesseis anos, respectivamente, e Mademoiselle ['senhorita', em francês], que já atingira, em sua virgindade, quarenta e três anos de solidão afetiva.
Outra vez Mário de Andrade utiliza os processos freudianos, ao expor as vísceras da inquietude sexual feminina. Dona Lúcia, abandonada por um marido distante e sem afeto, de certa forma deserdara da vida: 'Fora mais longe na caridade viciosa a que transportara a sua pobre vida cortada...'. Provia as filhas do necessário material, mais que isso estava fora de seu alcance oferecer-lhes:
'Lúcia e Alba estavam quase moças, dezesseis e quinze anos desenvoltos que a viagem desbastara demais, jogadas de criada em criada, de colégio em colégio, de língua em língua, de esporte em esporte.'
Por esse fragmento é possível saber-se a desenvoltura cultural e física das meninas; também pode-se notar o aspecto de abandono afetivo em que viviam. Descobriam a vida por si mesmas, sem o necessário tempero do carinho familiar. A mãe estava entregue a seu infortúnio marital.
A professora de francês era uma espécie de 'dama-de-companhia' [ou de 'má-companhia'] de Alba e Lúcia. Histérica [ no sentido uterino da palavra], Mademoiselle apresentava sintomas de uma necessidade sexual pouco contida:
'E Mademoiselle estava...só um verbo irracional dirá no que Mademoiselle estava: Mademoiselle estava no cio[...] O vendaval. Ela sentia masculinos que a acariciavam no escuro do quarto, na fala das meninas, na desvirginação escandalosa das ruas.[...]'
Todas as quatro mulheres vivem, a seu modo, o furor uterino que as consome e que move suas atitudes, inclusive linguísticas, já que entre as três [Mademoiselle, Lúcia e Alba] o idioma francês serve como uma espécie de código secreto: as meninas, com seu francês atualizado, divertem-se em atrapalhar a preceptora, chegam a irritá-la, uma vez que ela emprega seus conhecimentos ultrapassados da língua:
'Além do inglês e do alemão em que Mademoiselle nem de longe podia agora competir com elas, voltavam falando um francês bem mais moderno e leal que o da professora, estagnada no ensino e nas suas metáforas suspeitas.'
Desta forma, Mário de Andrade disseca o sentimento da solidão quase inexpresso, quase grunhido. Expressa o não-resolvido que dilacera a alma humana feminina [ou masculina].
Em O Poço, Joaquim Prestes protagoniza o homem moldado para o poder frio e sistemático.
Nascido rico, desconhece outra voz de autoridade e poder que não a sua. Os empregados são seres menores e só servem para garantir-lhe a execução de seus desejos, por mais absurdos que sejam:
'-Essa é boa!...Eu é que não posso ficar sem a minha caneta-tinteiro! Agora vocês hão de ter paciência, mas ficar sem minha caneta é que não posso! Têm que descer lá dentro buscar! Chame os outros, Albino! E depressa!...'
O episódio da caneta que caíra no poço revela um momento de conscientização dos pobres empregados de Joaquim Prestes: José toma-se de sentimento de fraternidade e enfrenta a teimosia absurda do patrão. O magruço, que dispusera a ajudar o Albino na descida ao fundo do poço, também reage aos insultos do patrão e demite-se sumariamente.
Por fim, num instante de maior tensão José e Joaquim Prestes vão ao corpo-a-corpo. Um mínimo de respeito ainda impede a briga. Mas o resultado pretendido pelo narrador é alcançado: Joaquim Prestes sente-se vencido e sai, remoendo sua raiva. No dia seguinte, entretanto, os empregados lhe devolvem a caneta, encontrada depois de muito trabalho.
Nelson não passa de um antropônimo. Não identifica qualquer personagem. Será Nélson o homem que bebe seis chopes no bar Como Saber Ele não é identificado. Tem apenas marcas da vida, cicatrizes de um tempo desconhecido, apenas imaginado, inventado.
Também neste conto Mário de Andrade não enfatiza o particular: sua intenção é a análise da alma humana, o registro de suas desventuras, comuns a todos os seres e a todos os 'Nelsons' que existem.
Sobre o protagonista, à mesa de um bar suspeito, outros três indivíduos têm a atenção despertada:'O indivíduo chamava a atenção mesmo, embora não mostrasse nada de berrantemente extraordinário. Tinha um ar esquisito, ar antigo, que talvez lhe viesse da roupa mal talhada.'
O defeito na mão, talvez causado por um ataque de piranhas, é uma marca indelével que o indivíduo carrega e a muito custo tenta esconder.
Sua vida é um mistério, mas sabe-se uma história de amor com uma paraguaia, a quem conhecera num período de farras em Assunção. Era fazendeiro e rico. Perdeu tudo.
Fala-se de sua participação na Coluna Prestes, quando ocorreu o ataque das piranhas que lhe aleijaram a mão.
Um tipo estranho, meio que paranoico, morando sozinho e contando com uma espécie de proteção de Diva, garçonete-meretriz do bar.
Diva repartia com ele, talvez sem saber, a escassez de afeto e compreensão. Por isto, irritava-se com a curiosidade dos rapazes que o olhavam incessantemente.
Atenção canditato:
Dê preferência ao estudo de quatro contos a saber:
O POÇO
O LADRÂO
O CASO PANÇUDO
TÚMULO, TÚMULO, TÚMULO