[Guido Wilmar Sassi]O compromisso com a memória histórica é exemplarmente defendida por Guido Wilmar Sassi, especialmente nos livros Geração do deserto55 e São Miguel56. Aliás, este autor tem sido, por excelência, o escritor que retém, ficcionalmente, o espaço e a história catarinense, construindo uma espécie de regionalismo que consegue superar os limites espaciais traçados e oferecer uma Pressione TAB e depois F para ouvir o conteúdo principal desta tela. Para pular essa leitura pressione TAB e depois F. Para pausar a leitura pressione D (primeira tecla à esquerda do F), para continuar pressione G (primeira tecla à direita do F). Para ir ao menu principal pressione a tecla J e depois F. Pressione F para ouvir essa instrução novamente.
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Geração do Deserto

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[Guido Wilmar Sassi]

O compromisso com a memória histórica é exemplarmente defendida por Guido Wilmar Sassi, especialmente nos livros Geração do deserto55 e São Miguel56. Aliás, este autor tem sido, por excelência, o escritor que retém, ficcionalmente, o espaço e a história catarinense, construindo uma espécie de regionalismo que consegue superar os limites espaciais traçados e oferecer uma concepção universal do homem que atua nesses espaços típicos. Neste sentido conquista especificidade em relação aos outros autores já tratados, muito embora reconheça-se em Lausimar Laus e em Almiro Caldeia autores que, ao abordarem o homem típico, não o dotam apenas dos valores que o restrinjam ao espaço em que transita.

Na literatura de Guido Wilmar Sassi tem-se o confronto entre o homem e o homem.

Isto é: não mais o homem e a natureza somente, mas o homem e as estruturas sociais que manipulam a natureza em favor dos detentores de um poder econômico, revertendo-a em prejuízo e sofrimento para o mais fraco. Parece ser esta a mola propulsora de suas narrativas, tanto nos contos quanto nos romances. É deste modo que assegura o teor de universalidade para a sua ficção. Simultaneamente à reconstrução de um espaço físico e de um homem que se incorpora a este espaço, conscientemente estrutura os elementos que anulam os limites geográficos e determinam a aproximação entre todas as criaturas de qualquer lugar, destituídas de poder econômico e vítimas da exploração. É em Guido Wilmar Sassi que se observa também à identificação entre o autor e personagem tanto no aspecto de denúncia que seus textos assumem quanto na escolha dos focos narrativos. Isto já é dado definitivo em seus primeiros livros de contos, como é o caso de Amigo velho e Piá, Por exemplo.

Em Geração do deserto consolida-se a investida da literatura na pesquisa da história do estado, funcionando como recuperação consciente de uma memória cultural onde se constata, mais uma vez, a exploração das classes populares pelos grupos sociais detentores do poder, bem como o envolvimento com o problema da extração da madeira, aí configurado como elemento que proporciona os principais conflitos abordados no romance. Montando o painel narrativo a partir de pequenos blocos, a elaboração ficcional da Guerra do Contestado ocorrida no oeste catarinense dá-se, em Geração do deserto, conforme o traçado registrado pela historiografia, permitindo que o livro se torne, ao lado do anterior, uma espécie de documento historiográfico.

As multinacionais têm sido responsáveis por grandes crises econômicas e sociais ocorridas em território nacional. Destruindo a estabilidade do ritmo natural da evolução social, alteram o sistema de vida das comunidades e, no caso do Contestado, geram a revolta dos caboclos, uma vez que passam a competir com eles na exploração da madeira, explorando-os e os destruindo. Daí o conflito social de caráter messiânico, liderado por José Maria, e daí Geração do deserto, romance que impõe como a memória dos fatos que são desagradáveis à história política do estado e do país. As personagens do romance conservam seus nomes históricos, mas o tratamento ficcional que recebem denuncia sua individualidade e revela os interesses pessoais que as fazem agir em função do grupo. Isto é, sob a ação do grupo, sob os interesses coletivos de preservação do grupo e de luta contra inimigos comuns, a ficção de Guido desvela os interesses particulares de cada personagem, revelando os abusos do autoritarismo, as torturas e as violências praticadas em benefício próprio, mas sob o manto da religião e da causa. Igualmente relevante é a importância que o espaço geográfico assume a narrativa, não apenas como o habitat ao qual se ajustam os personagens mas também como polo de convergência destas personagens.

Entretanto, apesar de ter sido o foco gerador da crise, a natureza é espectadora de tais conflitos humanos. Guido Wilmar Sassi recria a mentalidade dos caboclos, seus hábitos, crenças e atividades. Recupera um homem típico do oeste catarinense, porém num momento crítico, o que amplia sua complexidade devido às dimensões sociais e econômicas dos problemas que vive. A pesquisa e a fidelidade da história comandam o percurso do episódio bélico narrado, mas acima disto está a elaboração estética que, numa linguagem objetiva, obediente a uma cronologia linear - a despeito de alguns flash-backs - e à fragmentação operada pela montagem de cenas curtas em que se alternam pontos de vista diferentes, determina efeitos ficcionais indiscutíveis.