[Aluísio Azevedo]
O narrador conta que se apaixonara por uma vizinha a partir do momento em que a cumprimentou quase involuntário e foi correspondido, porque recebi outro com juros de um sorriso. O narrador vai floreando o texto de poeticidade e romantismo e neste dia escreveu seus melhores versos e no seguinte conversou a respeito destes com a pessoa que os inspirou.
Ester era o nome da jovem por quem o narrador se apaixona. E assim ele a descreve: era bonita. Delgada, sem ser magra; morena, sem ser trigueira; afável sem ser vulgar. [ ...] uma boquinha que era um beijo feito de duas pétalas [ ...] cabelos mais lindos do que aqueles com que Eva escondeu o seu primeiro pudor no paraíso. Estava enleado, fascinado nas teias da formosura de Ester, que tinha apenas dezesseis anos.
Ao se apresentar, disse-me que era solteira, e eu jurei que seríamos um do outro. Não contava, o apaixonado, com o fato da jovem estar mentindo, pois ela era casada. Mas isso ele só descobre bem depois. Antes imagina um mundo com a bela e pura Ester: idealizei toda uma existência ao lado daquela meiga criatura adorável.
Certo dia, numa atitude louca de apaixonado, ele pula o muro da casa da jovem e cai-lhe aos pés, humilde a apaixonado. Ao inquirimento dela, ele responde: te amo loucamente e não sei continuar a viver sem ti. Confessa que precisa saber a quem deve pedir permissão para se casar com ela. Dela, ouve apenas que vá embora. Diante da insistência revela:
- Quem dispõe de mim é meu tutor..., chamado José Bento Furtado. Mas - se é para pedir-me em casamento, declaro- lhe que perde o seu tempo, pois, segundo ela, o tutor a quer como esposa: ele só tem uma preocupação na vida: ser meu marido! Ao convite que fujam, ela responde que com isso causaria a morte do seu benfeitor! Por isso, não está disposta a cometer tal loucura, mas que ele não deve perder a esperança. Deve esperar com paciência. Quem sabe um dia ele mude de ideia, ou morra antes de realizar seu projeto... dito isto, ordena que o louco trepe de novo ao muro e retire-se.
A vizinha continua a sorrir-me, atirar-me flores, recitava os meus versos e conversa-me sobre o nosso amor. Arrastado pelo sentimento ultra-romântico, resolvi dar cabo do tutor de Ester. No entanto, percebe que não a melhor saída. Imagina que ele pode não ser tão irredutível como a bela Ester o descreveu. Então, amanhã procuro-o; faço- lhe o pedido com todas as formalidades. Num dia de domingo, uma hora da tarde estava ele na casa de José Bento Furtado: mandei o meu cartão. Meia hora depois apareceu-me o velhote, de rodaque branco, chinelas, sem colete, palitando os dentes. O velho perguntou-me a que devia a honra daquela visita. E ao pedido de casamento:
- Venho pedir-lhe a mão de sua filha...
- Mas eu não tenho filha, responde o velho.
Como? E D. Ester...?
Neste instante, Ester vem entrando na sala:
- Ei- la! É essa que aí chega! Exclamei, vendo
que a minha estremecida vizinha surgiu na saleta
contígua.
- Esta?!... balbuciou o comendador, quando ela
entrou na sala, mas esta é minha mulher!...
Aluísio Azevedo (1857-1913)
Nasceu em São Luís do Maranhão. Foi caricaturista de
jornais políticos e humorísticos do Rio de Janeiro.
Intensamente dedicado à literatura, escreveu romances,
contos e operetas. Produziu também peças teatrais, em
colaboração com Artur Azevedo e Emiliano Rouède. Em 1895, ingressou na carreira diplomática, tendo servido em
diversos países.