O Círculo de Viena surgiu nas duas primeiras décadas do século XX, sendo responsável pela criação de uma corrente de pensamento intitulada positivismo lógico. Este movimento surgiu na Áustria, como reação à filosofia idealista e especulativa que prevalecia nas universidades alemãs. A partir da primeira década do século, um grupo de filósofos austríacos iniciou um movimento de investigação que tentava buscar nas ciências a base de fundamentação de conhecimentos verdadeiros.
Neste sentido, tal grupo constatou que o conhecimento possui valor de verdade devido à sua vinculação empírica, isto é, o conhecimento científico é verdadeiro na medida em que relaciona-se, em alguma dimensão, à experiência. Contudo, estes filósofos compreendiam que não se pode abandonar a lógica e a matemática, com o avanço que estas obtiveram na virada do século; ambas auxiliam de maneira determinante a busca e determinação das condições nas quais o conhecimento se processa. Assim, a este pensamento, que procura na experiência o valor de verdade último de suas proposições, auxiliado pelas regras da lógica e dos procedimentos matemáticos, denominou-se positivismo lógico, ou empirismo lógico. A este grupo, formado por Philipp Frank (1884-1966), Otto Neurath (1882-1945) e Hans Hahn, incorporaram-se, na década de vinte, Moritz Schilick e Rudolf Carnap, que logo passaram à condição de seus mais ativos membros. Em 1929, Carnap, Hahn e Neurath publicaram um manifesto intitulado A Concepção Científica do Mundo: o Círculo de Viena. Estava, assim, formado este movimento. Além destes filósofos, compunham o grupo cientistas, economistas e juristas.
As principais influências recebidas pelos filósofos do Círculo de Viena são: o pensamento do positivista Ernst Mach (1838-1916), a lógica de Russell, Whitehead, Peano e Frege, bem como os novos paradigmas da física contemporânea, especialmente as descobertas de Einstein. Determinante foi, ainda, a filosofia de Wittgenstein. A leitura de seu Tractatus Logico-Phylosophicus permitiu ao grupo levar ao máximo alcance filosófico a compreensão da nova lógica, possibilitando, assim, incorporá-la a uma interpretação empírica dos fundamentos do conhecimento.
Uma das principais contribuições do Círculo de Viena reside na noção de verificabilidade. Esta compreende que o sentido de uma proposição está intrinsecamente relacionado à sua possibilidade de verificação. Isto quer dizer: determinada sentença só possui significado para aqueles que são capazes de indicar em que condições tal sentença seria verdadeira, e em quais ela seria falsa. Indicar tais condições equivale a apontar as possibilidades empíricas de verificar a verdade ou falsidade da sentença em questão. Deste modo, as afirmações da filosofia idealista ou metafísica são alijadas das proposições que contribuem para a questão do conhecimento; seus termos centrais, tais como "ser" e "nada", dada sua generalidade e ambiguidade, não são passíveis de verificação, o que torna as sentenças destas filosofias sem significado. Os enunciados metafísicos, segundo esta concepção, não são verdadeiras nem falsas; antes, elas carecem de sentido. A partir da década de trinta, o movimento começou a se dispersar. Com a mudança para os Estados Unidos de Carnap e outros, aliada às mortes de Hahn, Schilick e Neurath, o Círculo perdeu sua coesão inicial.
Rudolf Carnap
Filósofo contemporâneo, considerado um dos principais componentes do Círculo de Viena. Nasceu em Ronsdorf, na Alemanha, em 1891. Estudou física, matemática e filosofia na Universidade de Jena, sendo aluno de Frege, por quem, ao lado de Bertrand Russell, admitia ter sido profundamente influenciado. Em 1921, obteve o título de doutor nesta instituição. Tomando conhecimento dos estudos de Carnap, Schilick o convidou para ocupar o cargo de professor–assistente na universidade de Viena. Deste modo, Carnap passou a integrar o Círculo de Viena, tornando-se um de seus principais sistematizadores. Em 1930, passou a editar a revista Erkenntnis, juntamente com Reichenbach. No ano seguinte, passou a lecionar em Praga. Contudo, devido a pressões do movimento nazista, foi levado a emigrar para os Estados Unidos. Atuou como professor e investigador nas universidades de Chicago, Harvard, Princeton e Los Angeles, naturalizando-se americano em 1941. Faleceu em Santa Marta, Califórnia, em 1970. Algumas de suas obras: A Construção Lógica do Mundo (1928) e Sintaxe Lógica da Linguagem (1934). Redigiu ainda, juntamente com Hahn e Neurath, o manifesto intitulado A Concepção Científica do Mundo: o Círculo de Viena.
Uma das preocupações centrais de Carnap reside no estudo do conhecimento científico, no que diz respeito à investigação de seus critérios de verdade. Se o princípio que determina esta verdade for o de sua verificação empírica, como pretendiam os empiristas lógicos, isto é, se somente podem ser consideradas verdadeiras as proposições passíveis de ser observados fatualmente, que fazer com as proposições epistemológicas, que não se referem a fatos, mas às proposições que os atestam? Será a epistemologia destituída de verdade? A resposta de Carnap a esta questão é que as proposições epistemológicas são proposições dotadas de significado, que se referem não diretamente aos fatos, mas antes à linguagem empregada para referir-se aos fatos. Neste sentido, a tarefa da filosofia é depurar a linguagem científica de suas imprecisões, construindo linguagens que obedeçam ao rigor de uma sintaxe lógica.
Outra importante contribuição de Carnap consiste no princípio da confirmabilidade. O princípio epistemológico da verificabilidade, proposto pelo Círculo de Viena, ao basear-se na verificação empírica para constatar a verdade de uma proposição, não permite conferir verdade a nenhuma proposição ou lei de caráter geral, uma vez que a experiência só apresenta casos particulares. Assim, não podendo ser verificados, tais leis podem, contudo, vir a ser confirmadas, gradualmente, pela experiência. Embora não haja possibilidade de atingir uma confirmação absoluta, quanto mais evidências empíricas se obtiver a seu favor, maior o grau relativo da dita lei, proposição ou teoria em questão.
A Epistemologia Naturalizada
Na época de formação do Círculo de Viena, por volta de 1924, a epistemologia passou a interessar-se em fundar as ciências sobre a lógica matemática. Sob dois aspectos, conceitual e doutrinário, buscava-se esclarecer, respectivamente, o significado dos conceitos e o estabelecimento de leis, de modo a gerar certezas nas ideias e teoremas verdadeiros. Quanto mais claras fossem as definições, mais óbvias seriam suas verdades.
Porém, a redução da epistemologia aos fundamentos da matemática não evidenciava que a certeza fosse possível, por conta dos problemas de completude apontados pelo lógico e matemático alemão Kurt Goedel (1906-1978). Entretanto, essa perspectiva de redução matemática incentivou a analogia no âmbito do conhecimento natural de que este deveria ser redutível ao conjunto das experiências possíveis. Tudo deveria ser explicado em termos sensoriais, incluindo as leis verdadeiras da natureza. Nesse sentido, as sentenças observacionais seriam portadoras do significado das experiências que se deixassem reunir em categorias formadas pelas propriedades comum aos objetos.
O aspecto conceitual da epistemologia do conhecimento natural, aliado à suposição de que a sintaxe lógica se subsumia à matemática, levou à crença na possibilidade de construir uma estrutura lógica dos dados dos sentidos. Todavia, a tentativa de provar a verdade das sentenças observacionais a partir da experiência imediata tornou-se enganosa.
De fato, as esperanças iniciais eram que as construções lógicas dos conceitos empíricos permitiriam o esclarecimento das evidências sensoriais das ciências naturais e, com isso, o discurso sobre o mundo ficaria mais claro. Rudolf Carnap era um pensador do círculo vienense que acreditava ser possível uma reconstrução racional, em termos de experiência sensível, lógica e matemática, traduzível num discurso fisicalista da natureza. Recusava Carnap todo e qualquer enunciado que não pudesse ser verificado pela experiência material, tais como o da metafísica e psicologia. Mesmo que a experiência particular não sustentasse a formulação de conceitos gerais, a confirmação desses enunciados observáveis nas sucessivas experiências os manteriam válidos, enquanto não fossem empiricamente falsificados.
Willard van O. Quine, por sua vez, contestou que essa reconstrução pudesse traduzir as sentenças naturais em termos observacionais, lógicos e matemáticos. As reduções de fatos naturais a definições mostravam apenas uma parte do que estava sendo conceituado e não uma equivalência total entre o objeto e a categoria a qual estivesse sendo inscrito. Melhor seria, para Quine, descobrir como a ciência desenvolve-se, ao invés de inventar uma estrutura fictícia da compreensão, pois "os significados empíricos dos enunciados típicos sobre o mundo externo são inacessíveis e inefáveis"(1).
Tais enunciados não são entendidos por uma sucessão de implicações lógicas. Assim, não seria possível saber se uma sentença traduz ao certo aquilo que está sendo observado a não ser levando em conta o conjunto dos enunciados como um todo e suas evidências observacionais. O sentido da sentença, então, é formado pelo bloco da teoria e não isoladamente. O que não quer dizer que o significado não esteja baseado na experiência. A linguagem só é possível de ser apreendida pela presença de estímulos sensoriais socialmente controlados. A indeterminação da tradução linguística ocorre devido a impossibilidade de se isolar as consequências empíricas sob uma estrutura categorial adequada.
Nesse contexto, a epistemologia deveria encontrar apoio num campo de atuação próximo da psicologia, estudando o sujeito humano em sua condição natural, submetido que é aos estímulos do mundo externo e sua história. O uso da psicologia empírica tornaria a epistemologia capaz de criar construções teóricas mais criativas sobre o conhecimento humano. Poder-se-ia, assim, promover o intercâmbio entre as diversas ciências naturais. E a ciência seria vista como um processo no mundo em constante transformação. A prioridade, agora, recairia em buscar as causas do acontecimento e não seu significado linguístico. O que torna uma sentença qualquer observacional é o fato dela depender de um estímulo sensorial atual. A verdade dessas sentenças dispensa a verdade sintática da exatidão fictícia de uma construção lógica, em favor da aceitação de uma comunidade inteira que fale e compreenda a mesma língua.
Logo, a sentença observacional pode dessa maneira ser definida como aquela sobre a qual todos falantes de uma mesma língua concordam, quando estão sob o mesmo estímulo. É, portanto, uma sentença cuja verdade repousa na concordância intersubjetiva. Para comparar uma sentença observacional entre línguas diferentes é preciso uma generalização empírica que faça uma identificação na qual os falantes de ambas as línguas concordam sobre o domínio dos estímulos o qual estão sendo traduzidas as sentenças observacionais, do ponto de vista de cada um dos idiomas. Só assim, a epistemologia pode lançar mão das ciências naturais, a fim de complementar as limitações de um domínio específico e se naturalizar de vez.
Referência Bibliográfica
ENCICLOPÉDIA DIGITAL.- São Paulo: GLLG, 1998.
QUINE, W.v.O. "Epistemologia Naturalizada", in Realidade Ontológica e Outros Ensaios; trad. Andréa Mª A. De C. Lopari. - São Paulo: Abril Cultural, 1985.