O rigor da argumentação kantiana fez da filosofia uma metadisciplina a qual todo acadêmico deveria saber, caso quisesse tratar de epistemologia. Desde Kant, a ciência só poderia avançar dentro dos limites impostos pela filosofia. Somente depois que matemáticos e lógicos, como George Boole, Gottlob Frege, Giuseppe Peano (1858-1932) e Georg Cantor (1845-1918), entre outros, propuseram uma nova compreensão dos processos formais de entendimento, foi possível alguma transformação no projeto kantiano.
A lógica simbólica nascente, que esses autores ajudaram a criar, estudava a relação direta entre as regras da lógica e os axiomas e teoremas da matemática. Ao lado da física, também questionavam a condição transcendental do tempo e do espaço, bem como a impossibilidade de uma psicologia empírica. Ao tentarem derivar todos enunciados da matemática das leis da lógica, aqueles matemáticos atacavam a noção kantiana de juízo sintético a priori que vinculava o conhecimento matemático à experiência.
Na monumental obra, Principia Mathematica (1910-13), os lógicos-matemáticos Alfred N. Whitehead e Bertrad Russell estabeleceram outra forma de relacionar as ciências empíricas com a lógica e a matemática. Enquanto Kant defendia uma teoria compacta de todo conhecimento fundada na filosofia, Whitehead e Russell argumentavam que as disciplinas deveriam enfrentar os problemas isoladamente, um de cada vez, num método mais próximo das ciências. Pelo método científico e não filosófico, reduções sucessivas levariam finalmente ao encontro da verdade. Cada passo da investigação aperfeiçoaria o anterior, ao invés de rejeitá-lo totalmente. O objetivo era eliminar a distância entre o conhecimento imediato e o obtido por intermédio de inferências lógicas. Uma construção lógica tornaria possível a explicação do mundo exterior, a partir de dados sensoriais.
O programa lógico-empírico -também conhecido por positivismo lógico- de abordagem da experiência sensorial humana substituiu, então, a filosofia kantiana e passou a influenciar grande parte do século XX, incluindo muitos cientistas cognitivos. Em 1922, Ludwig Wittgenstein (1889-1951), aluno de Russell, apresentou seu Tractatus Logico-Phylosophicus (Tratado Lógico-Filosófico), onde tentava mostrar a estrutura lógica da linguagem, que, para ele, retratava o estado de coisas no mundo. A suposição era de que houvesse uma correspondência formal entre a configuração dos objetos no mundo, pensamentos na mente e palavras na linguagem.
Depois de Wittgenstein, a filosofia assumiu a tarefa de esclarecer as proposições sobre o mundo. Ao centrar-se apenas nas proposições de uma ciência natural, questões sobre ética, metafísica, ontológica e estética passavam a ser consideradas sem significado, por não representarem nada no mundo. Essas ideias serviram de inspiração ao Círculo de Viena, formado por Moritz Schlick (1882-1936) e outros empiristas lógicos, no período entre as duas Grandes Guerras. Em poucas palavras, esse grupo ambicionou separar as questões filosóficas que poderiam ou não ser formalizadas logicamente. Os enunciados matemáticos, por exemplo, eram analisáveis e passíveis de verificação, enquanto os problemas metafísicos mantinham-se inacessíveis, devendo, portanto, ser descartados.
O verificacionismo dominante, então, sustentava que as afirmações empíricas adquiriam um significado verdadeiro ou falso se pudessem ser verificadas em condições ideais de investigação. Segundo Rudolf Carnap (1891-1970), um dos membros do círculo vienense, as circunstâncias em que as pessoas usam uma proposição determinam seu valor de verdade e o método de verificação fornece seu significado.
Ao lado do verificacionismo, o fisicalismo era outra característica marcante do positivismo lógico. Para os fisicalistas, as proposições relacionadas aos estudos mentais possuíam equivalentes lógicos nas referências do comportamento externo e nas leis da física. Cada sentença da psicologia deveria ter uma reformulação em termos do comportamento físico, tanto em seres humanos, como em animais. Por causa desses princípios, o Círculo de Viena rejeitava um papel especial para a filosofia, uma vez que a ciência empírica era capaz de abranger a filosofia, que seria responsável apenas pelo estudo da linguagem científica.
Carnap, seguindo à risca esse programa, começou a traduzir todas as sentenças sobre o mundo em dados sensoriais. Examinando a relação entre estas sentenças, a natureza de uma entidade era determinada pelas inferências entre cada uma das proposições. A análise sintática lógica apontaria os possíveis erros de construção lógica, apontando a resolução ou não de um problema filosófico correspondente.
A importância do Círculo de Viena para a ciência cognitiva está nessa concepção de sintaxe como um conjunto de símbolos e regras que traduzem as operações mentais. Graças a isso, Noam Chomsky pôde postular uma sintaxe básica para a gramática, enquanto Newell e Simon simulavam com símbolos lógicos o raciocínio humano em computador e Bruner e George Armitage Miller (1920) buscavam as regras de classificação, de acordo com uma lógica mental. Jerry Fodor (1935), mais tarde, herdaria esse tipo de postura ao afirmar a existência de uma linguagem do pensamento, nos moldes carnapianos.
Apesar do modelo carnapiano não ter obtido êxito científico notável, sua influência pode ainda ser observada em algumas áreas da ciência cognitiva. Historicamente, a postura do Círculo de Viena mostrou-se artificial e conveniente ao behaviorismo e positivismo, porém mesmo aqueles que o criticaram não ficaram livres de seu contágio1.
Revisão Filosófica
Com o passar do tempo, várias dúvidas foram levantadas quanto aos princípios defendidos pelo empirismo lógico. A possibilidade de dados sensoriais puros foi questionada por uma concepção nova de conhecimento atrelada ao uso da linguagem e não meramente em informações brutas do sentidos. Em meados dos anos 50, Willard von Orman Quine (1908) abalou a tradicional distinção entre verdades analíticas e sintéticas, aceitas desde Kant. Além disso, mostrou ser insustentável atribuir verdade tomando apenas o significado ou definição dos enunciados. Os componentes empíricos e lógicos de uma teoria científica não poderiam ser totalmente separados por critérios de verdade diferenciados. Para Quine, haveria tantos modos de relacionar a linguagem ao mundo, quanto as línguas existentes, e assim sintaxes lógicas pertinentes deveriam ser elaboradas para cada sistema linguístico.
Mais tarde, Hilary Putnam contestou a conexão de todas as teses positivas do empirismo lógico e sua fé na transformação da filosofia em ciência rigorosa capaz de estabelecer o valor de verdade com bases em teorias linguísticas. Mesmo reconhecendo-se que a lógica simbólica e a teoria da linguagem modernas, além de parte da ciência cognitiva serem frutos do empirismo lógico, o Círculo de Viena não deixou de ser duramente atacado pela posteridade2.
Por outro lado, em The Concept of Mind (O Conceito de Mente, 1949), Gilbert Ryle (1900-1976) atacou a ideia cartesiana de um "fantasma na máquina", negando que houvesse qualquer conexão causal entre o que acontece numa mente isolada com o que se passa em outra. Para Ryle, falar da mente era um erro categorial, já que não existiria um lugar com tal designação, assim como "universidade" não está para além da estrutura de seus campi. O erro em categorizar a mente estava em atribuir-lhe uma substância paralela ao corpo, mas que o controla mesmo estando separada dele.
Para evitar tais erros, Ryle assumiu uma interpretação do tipo behaviorista, apoiada na descrição de comportamentos motivados por certas circunstâncias. Ele duvidou que houvesse um acesso privilegiado de cada um a sua própria mente. Tudo o que alguém poderia saber sobre si mesmo seria descoberto em outra pessoa apenas observando e questionando seu modo de agir. A análise filosófica só poderia compreender as circunstâncias nas quais alguém obtivesse algum tipo de conhecimento relatado. Os supostos mecanismos internos nada acrescentariam de relevante à compreensão do agente. Ryle considerava problemático adotar o nível representacional ou qualquer fundamentação em entidades internas3.
Wittgenstein, que esteve no início das atividades do Círculo de Viena, também fez-se presente no seu réquiem. Em torno do tema da linguagem, Wittgenstein girou cerca de 180 graus. Na sua obra inicial, a linguagem era tratada como um meio privilegiado de compreensão da estrutura do mundo. Mas em seus textos posteriores, essa concepção passou a ser geradora de problemas, cuja solução estaria no correto entendimento do uso da linguagem.
Por ser de domínio público e ensinadas a pessoas imersas numa comunidade linguística, as circunstâncias e modos como uma determinada palavra é usada estabeleceriam, agora, a relação entre esta e o acontecimento. Cada uso da palavra dependeria dos diversos modos (jogos) em que a linguagem é empregada, seguindo um conjunto de regras específico a cada um desses jogos linguísticos. As palavras já não possuíam, portanto um único significado, como antes se pensava, mas uma família de definições. Os problemas filosóficos, assim, poderiam ser dissolvidos, mostrando-se a maneira enganosa que a linguagem foi usa, segundo uma gramática própria.
Os psicólogos seriam exemplos de tentativas equivocadas de solucionar o problema psicológico, pois ao tratarem-no de modo científico, eles não perceberiam que todo erro estava inserido num uso da linguagem inadequado. Os operadores mentais não teriam um funcionamento a ser descoberto, mas relações linguísticas com a experiência cotidiana e o comportamento de um grupo. Todo defeito da psicologia estava em sua confusão conceitual, o que tornava o seu método experimental incapaz de resolver os problemas que passariam longe uns dos outros, quando bastaria apenas descrever o fenômeno, ao contrário de tentar explicá-lo4.
Tal como Wittgenstein, John Langshaw Austin (1911-1960) pensava que sentenças não deveriam apenas ser entendidas no seu sentido elocucional -da formação do enunciado proferido-, mas segundo o sentido ilocucionário dado pelo falante a suas elocuções, relacionando as sentenças com o uso dado por quem as profere. Qualquer afirmação poderia resultar em efeitos diferentes, de acordo com o contexto. Assim, a teoria dos atos de fala -inaugurada por Austin em How to do Things with Word (Como Fazer Algo com as Palavras, 1962), um livro póstumo- dava maior atenção aos atos ilocucionários, ou seja, os objetivos para os quais uma elocução foi proferida.
O apelo ao uso da linguagem tirava da filosofia o poder de decidir por si só qual o conhecimento e verdade das ciências. As gramáticas de cada jogo de linguagem dominavam o pensamento humano, no entender de autores como Ryle, Wittgenstein e Austin. À filosofia caberia chamar atenção disso e descrever os métodos empregados na discussão. Todavia, Quine ainda achava possível a epistemologia encontrar abrigo em parte da psicologia, na forma de uma ciência natural, estudando a constituição física humana e sua reação a estímulos controlados5.
O Fim da Epistemologia
Posição mais radical contra a filosofia foi tomada por Richard Rorty (1931) em Filosofia e o Espelho da Natureza (1979). Rorty compreende a filosofia como uma teoria geral da representação que visa conhecer os processos mentais constituintes do entendimento. Contudo, o conceito de mente é tão obscuro quanto o conceito de Deus. A manutenção do interesse sobre ele dar-se-ia apenas por uma função cultural e uma vaga noção de ciência.
A crença em torno dessas questões resultaria de um longo processo histórico cheio de desvios quanto à natureza da atividade cognitiva. A única atitude sensata, segundo Rorty, para eliminar esse espectro seria rever sua trajetória histórica, revivendo seus disparates como numa terapia de regressão. Nessa retrospectiva, examinar-se-ia a série de fracassos do pensamento filosófico ocidental.
Na época helênica, tais crenças eram delineadas diretamente, com representações precisas de ideias formais não observáveis, tal como exemplifica o Mênon de Platão. Descartes, muito tempo depois, apresentaria essa faculdade mental como um espelho da natureza, observado pelo olho interno. Locke teria confundido o modo como a informação atinge a consciência com o porque da sua existência. Kant, ao propor representações indubitáveis forneceria aos filósofos o privilégio de limitar e regular a investigação científica.
Os ataques sucessivos a essa situação, vindo de vários campos da filosofia -epistemologia, pragmatismo, fenomenologia etc-, e o fracasso grandiloquente do empirismo lógico serviram para abalar a validade das crenças na relação entre ideias e objetos. Tudo isso não passaria de um processo social que pretende reforçar as crenças na verdade filosófica. Nada na psicologia revelaria uma competência superior a da fracassada epistemologia, no trato dessas questões. As ideias da mente não possuiriam plausibilidade maior que a dos neurônios do cérebro para compreensão de significados e dados sensoriais. O fim da psicologia liberaria a humanidade do "espelho da natureza".
O desenvolvimento da filosofia ocidental, segundo Rorty, não passaria de uma contingência histórica e nada teria de necessário. Sem os personagens filosóficos, a história da filosofia teria sido diferente. Por ter chegado ao fim de um ciclo, a epistemologia deveria ser retirada do rol das ciências humanas. No lugar dos grandes construtores de sistemas -como Kant e Russell- seriam eleitos os "edificadores" -como Wittgenstein e o pedagogo pragmatista John Dewey (1859-1952)-, que se contentavam em interagir e descrever o que viam. Afinal, o filósofo não seria uma pessoa com conhecimento especial ou método bem estabelecido. Debates estéreis como os travados por racionalistas e empiristas deveriam ser encerrados. A física, por sua vez, bem poderia delimitar a estrutura do mundo exterior, enquanto a neurologia explicaria os processos intelectuais e afetivos, ao passo que a sociologia e a história descreveriam a forma de constituição das crenças dominantes. Sem orientar suas pesquisas para essas questões humanísticas, a ciência cognitiva não produziria nenhuma alternativa interessante6.
Referência Bibliográfica
GARDNER, H. A Nova Ciência da Mente; trad. Cláudia M. Caon. - São Paulo: Edusp, 1995.
Notas
1.Veja GARDNER, H. A Nova Ciência da Mente, II, 1, pp. 73-78.
2.Veja GARDNER, H. Op. Cit, idem, pp. 78-80.
3.Veja GARDNER, H. Idem, ibdem, pp. 80-81.
4.Veja GARDNER, H. Ibdem, ibdem, pp. 81-83.
5.Veja GARDNER, H. Ibdem, ibdem, pp. 83-84.
6. Veja GARDNER, H. Ibdem, ibdem, pp. 84-89.