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Título do artigo:

O Judas em sábado de aleluia

97

por:

[Martins Pena]

Judas em sábado de aleluia é uma típica comédia de costumes do Romantismo. A peça caracteriza o cotidiano de modo cômico, apresentando as personagens de modo caricatural, bem como apontando para valores culturais da classe média, funcionários públicos e militares do Rio de Janeiro no século XIX, o que agradava ao público e refletia alguns motivos da proposta romântica de produção artística.

A peça de Martins Pena está estruturada em apenas um ato, o que é típico dos textos do fundador do teatro romântico. A estrutura é simples e o enredo apresenta uma situação cômica central a qual se ligam várias outras, havendo uma visão bem humorada sobre as relações amorosas e sociais nas vidas das personagens.

Enredo, Personagens e Cultura

A peça apresenta as seguintes personagens:

Capa do LivroJOSÉ PIMENTA, cabo‐de‐esquadra da Guarda Nacional.
Suas filhas CHIQUINHA e MARICOTA.
LULU (10 anos).
FAUSTINO, empregado público.
AMBRÓSIO, capitão da Guarda Nacional.
ANTÔNIO DOMINGOS, velho, negociante. Meninos e moleques.

Na primeira cena, algumas crianças preparam um boneco de Judas para realizar a malhação. Veja‐se aqui a representação típica da cultura brasileira o que confere valor cultural à peça. Em seguida, surgem as personagens Chiquinha e Maricota, que discutem sobre namoros e cotidiano.

CHIQUINHA, para Maricota ‐ Maricota, ainda te não cansou essa janela?
MARICOTA, voltando a cabeça ‐ Não é de tua conta.
CHIQUINHA ‐ Bem o sei. Mas, olha, o meu vestido está quase pronto; e o teu, não sei quando estará.
MARICOTA ‐ Hei‐de aprontá‐lo quando quiser e muito bem me parecer. Basta de seca ‐ cose, e deixa‐me.
CHIQUINHA ‐ Fazes bem. (Aqui Maricota faz uma mesura para ai rua, como a pessoa que a cumprimenta, e continua depois a fazer acenos com o lenço.) Lá está ela no seu fadário! Que viva esta minha irmã só para namorar! É forte mania! A todos faz festa, a todos namora... E o pior é que a todos engana... até o dia em que também seja enganada
(...)
MARICOTA ‐ Os anos passam depressa, quando se namora. Ouve: (lendo:) "Vi teu mimoso semblante e fiquei enleado e cego, cego a ponto de não poder estudar minha lição." (Deixando de ler:) Isto é de criança. (Continua a ler.) "Bem diz o poeta latino: Mundus a Domino constitutus est." (Lê estas palavras com dificuldade e diz:) Isto eu não entendo; há‐de ser algum elogio... (Continua a ler.) "...constitutus est. Se Deus o criou, foi para fazer o paraíso dos amantes, que como eu têm a fortuna de gozar tanta beleza. A mocidade, meu bem, é um tesouro, porque senectus est morbus. Recebe, minha adorada, os meus protestos. Adeus, encanto. Ego vocor ‐ Tibúrcio José Maria." (Acabando de ler:) O que eu não gosto é escrever‐me ele em latim. Hei‐de mandar‐lhe dizer que me fale em português. Lá dentro ainda tenho um maço de cartas que te poderei mostrar; estas duas recebi hoje.
CHIQUINHA ‐ Se todas são como essas, é rica a coleção. Quem mais passou? Vamos, dize...
MARICOTA ‐ Passou aquele amanuense da Alfândega, que está à espera de ser segundo escriturário para casar‐se comigo. Passou o inglês que anda montado no cavalo do curro. Passou o Ambrósio, capitão da Guarda Nacional. Passou aquele moço de bigodes e cabelos grandes, que veio da Europa, aonde esteve empregada na diplomacia. Passou aquele sujeito que tem loja de fazendas. Passou...
CHIQUINHA, interrompendo ‐ Meu Deus, quantas!... E a todos esses namoras?
MARICOTA ‐ Pais então! E o melhor é que cada um de per si pensa ser o único da minha afeição.
CHIQUINHA ‐ Tens habilidade! Mas dize‐me, Maricota, que esperas tu com todas essas loucuras e namoros? Que planos são as teus? (Levanta‐se.) Não vês que te podes desacreditar?
MARICOTA ‐ Desacreditar‐me por namorar! E não namoram todas as moças? A diferença está em que umas são mais espertas do que outras. As estouvadas, como tu dizes que eu sou, namoram francamente, enquanto as sonsas vão pela calada. Tu mesma, com este ar de santinha ‐ anda, faze‐te vermelha! ‐ talvez namores, e muito; e se eu não passo assegurar, é parque tu não és sincera como eu sou. Desengana‐te, não há moça que não namore. A dissimulação de muitas é que faz duvidar de suas estripulias. Apontas‐me porventura uma só, que não tenha hora escolhida para chegar à janela, ou que não atormente ao pai ou à mãe para ir a este ou àquele baile, a esta ou àquela festa? E pensas tu que é isto feito indiferentemente, ou por acaso? Enganas‐te, minha cara, tudo é namoro, e muito namoro. Os pais, as mães e as simplórias como tu é que nada vêem e de nada desconfiam. Quantas conheço eu, que no meio de parentes e amigas, cercadas de olhos vigilantes, namoram tão sutilmente, que não se pressente! Para quem sabe namorar tudo é instrumento: uma criança que se tem ao cala e se beija, um papagaio com o qual se fala à janela, um mico que brinca sabre o ombro, um lenço que volteia na mão, uma fiar que se desfolha ‐ tudo, enfim! E até quantas vezes o namorada desprezada serve de instrumento para se namorar a outrem! Pobres tolas, que levam a culpa e vivem logrados, em proveito alheia! Se te quisesse eu explicar e patentear as ardis e espertezas de certas meninas que passam par sérias e que são refinadíssimas velhacas, não acabaria hoje. Vive na certeza, minha irmã, que as moças dividem‐se em duas classes: sonsas e sinceras... Mas que todas namoram.
CHIQUINHA ‐ Não questionarei contigo. Demos que assim seja, quero mesmo que o seja. Que outro futuro esperam as filhas‐famílias, senão o casamento? É a nossa senatoria, como costumam dizer. Os homens não levam a mal que façamos da nossa parte todas as diligências para alcançarmos este fim; mas o meio que devemos empregar é tudo. Pode ele ser prudente e honesto, ou tresloucado como o teu.

A personagem Maricota representa o estereótipo da moça casadeira, que tem vários pretendentes e por isso vai ser punida no final, para assim representar a moral romântica. Diferente de Maricota, temos Chiquinha, que acredita no mor verdadeiro, é contida e será beneficiada pelo poder do amor ao final da história.

Duas novas personagens aparecem na história. A primeira é Faustino, um dos pretendentes de Maricota. Ele acredita ser o grande amor de Maricota, mas na verdade é apenas mais um entre tantos outros. Faustino estava sendo perseguido por Ambrósio, que era capitão da guarda e queria Maricota para si, por isso tentava afastar o jovem de sua pretendida. Quando Maricota, após fazer juras de amor a Faustino, retira‐se para a cozinha, Ambrósio bate a porta de Faustino temeroso vê como única saída, tomar o lugar do boneco do Judas, que estava a um canto da sala, vestindo suas roupas e ficando imóvel. Essa é a principal peripécia cômica da peça, uma vez que durante toda a ação, Faustino presenciará as conversas das personagens, como na cena em que Maricota declara seu amor a Ambrósio, como o fizera ao próprio Faustino, o que faz com que esse fique desiludido e com desejo de vingança.

FAUSTINO ‐ Sim, sim, por tua causa! O capitão da minha companhia, o mais feroz capitão que tem aparecido no mundo, depois que se inventou a Guarda Nacional, persegue‐me, acabrunha‐me e assassina‐me! Como sabe que eu te amo e que tu me correspondes, não há pirraças e afrontas que me não faça. Todas os meses são dous e três avisos para montar guarda; outros tantos para rondas, manejos, paradas... E desgraçado se lá não vou, ou não pago! Já o meu ordenado não chega. Roubam‐me, roubam‐me com as armas na mão! Eu te detesto, capitão infernal, és um tirano, um Gengis‐Kan, um Tamerlan! Agora mesmo está um guarda à porta da repartição à minha espera para prender‐me. Mas eu não vou lá, não quero. Tenho dito. Um cidadão é livre... enquanto não o prendem.
MARICOTA ‐ Sr. Faustino, não grite, tranquilize‐se!
FAUSTINO ‐ Tranquilizar‐me! Quando vejo um homem que abusa da autoridade que lhe confiaram para afastar‐me de ti! Sim, sim, é para afastar‐me de ti que ele manda‐me sempre prender. Patife! Porém o que mais me mortifica e até faz‐me chorar, é ver teu pai, o mais honrado cabo‐de‐esquadra, prestar o seu apoio a essas tiranias constitucionais.
(...)
MARICOTA ‐ O Faustino serve‐me de divertimento, e se algumas vezes lhe dou atenção, é para melhor ocultar o amor que sinto por outro. (Olha com ternura para o Capitão. Aqui aparece na porta do fundo José Pimenta. Vendo o Capitão com a filha, pára a escuta.)
CAPITÃO ‐ Eu te creio, porque teus olhos confirmam tuas palavras. (Gesticula com entusiasmo, brandindo a espada.) Terás sempre em mim um arrimo, e um defensor! Enquanto eu for capitão da Guarda Nacional e o Governo tiver confiança em mim, hei‐de sustentar‐te como uma princesa. (Pimenta desata a rir às gargalhadas. Os dous voltam‐se surpreendidos. Pimenta caminha para a frente, rindo‐se sempre. O Capitão fica enfiado e com a espada levantada. Maricota, turbada, não sabe como tomar a hilaridade do pai.)

Faustino, por estar disfarçado de Judas, acaba por presenciar três situações. A primeira é quando, sem ser notado, presencia a conversa entre Pimenta e Ambrósio, o que faz com que ele saiba mais sobre a estrutura na guarda nacional. Na sequência, Faustino escuta a confissão de Chiquinha para si mesmo sobre o como amava Faustino.

CHIQUINHA entra e senta‐se é costura ‐ Deixe‐me ver se posso acabar este vestido para vesti‐lo amanhã, que é Domingo de Páscoa. (Cose.) Eu é que sou a vadia, como meu pai disse. Tudo anda assim. Ai, ai! (Suspirando.) Há gente bem feliz; alcançam tudo quanto desejam e dizem tudo quanto pensam: só eu nada alcanço e nada digo. Em quem estará ele pensando! Na mana, sem dúvida. Ah, Faustino, Faustino, se tu soubesses!...
FAUSTINO, à parte ‐ Fala em mim! (Aproxima‐se de Chiquinha pé ante pé.)
CHIQUINHA ‐ A mana, que não sente por ti o que eu sinto, tem coragem para te falar e enganar, enquanto eu, que tanto te amo, não ouso levantar os olhos para ti. Assim vai o mundo! Nunca terei valor para fazer‐lhe a confissão deste amor, que me faz tão desgraçada; nunca, que morreria de vergonha! Ele nem em mim pensa. Casar‐me com ele seria a maior das felicidades. (Faustino, que durante o tempo que Chiquinha fala vem aproximando‐se e ouvindo com prazer quanto ela diz, cai a seus pés.)
FAUSTINO ‐ Anjo do céu! (Chiquinha dá um grito, assustada, levanta‐se rapidamente para fugir e Faustino a retém pelo vestido.) Espera!
CHIQUINHA, gritando ‐ Ai, quem me acode?
FAUSTINO ‐ Não te assustes, é o teu amante, o teu noivo... o ditoso Faustino!

Depois que Faustino percebe o valor de Chiquinha, volta a condição de Judas no canto da parede e acaba por escutar sobre os crimes de Antônio e Pimenta, o que lhe dá uma arma para vingança contra Chiquinha.

ANTÔNIO ‐ Chegou nova remessa do Porto. Os sócios continuam a trabalhar com ardor. Aqui estão dous contos (tira da algibeira dous maços de papéis), um em cada maço; é dos azuis. Desta vez vieram mais bem feitos. (Mostra uma nota de cinco mil‐réis que tira do bolso do colete.) Veja; está perfeitíssima.
PIMENTA, examinando‐a ‐ Assim é.
ANTÔNIO ‐ Mandei aos sócios fabricantes o relatório do exame que fizeram na Caixa da Amortização, sobre as da penúltima remessa, e eles emendaram a mão. Aposto que ninguém as diferençará das verdadeiras.
A cena de maior comicidade da peça ocorre quando as crianças decidem realizar a malhação do Judas e Faustino tem que correr para não ser linchado, mesmo tendo assustado a todos. Quando capturado, Faustino usa seu conhecimento sobre as ações das outras personagens para realizar sua vingança, obrigando Maricota a casar‐se com um velho, enquanto Chiquinha se casaria com ele.
Meninos ‐ Apareceu a Aleluia! Vamos ao judas!... (Faustino, vendo os meninos junto de si, deita a correr pela sala. Espanto geral. Os meninos gritam e fogem de Faustino, o qual dá duas voltas ao redor da sala, levando adiante de si todos os que estão em cena, os quais atropelam‐se correndo e gritam aterrorizados. Chiquinha fica em pé junto à porta por onde entrou. Faustino, na segunda volta, sai para a rua, e os mais, desembaraçados dele, ficam como assombrados. Os meninos e moleques, chorando, escondem‐se debaixo da mesa e cadeiras; o Capitão, na primeira volta que dá fugindo de Faustino, sobe para cima da cômoda; Antônio Domingos agarra‐se a Pimenta, e rolam )untos pelo chão, quando Faustino sai: e Maricota cai desmaiada na cadeira onde cosia.)

(...)

Meninos ‐ Apareceu a Aleluia! Vamos ao judas!... (Faustino, vendo os meninos junto de si, deita a correr pela sala. Espanto geral. Os meninos gritam e fogem de Faustino, o qual dá duas voltas ao redor da sala, levando adiante de si todos os que estão em cena, os quais atropelam‐se correndo e gritam aterrorizados. Chiquinha fica em pé junto à porta por onde entrou. Faustino, na segunda volta, sai para a rua, e os mais, desembaraçados dele, ficam como assombrados. Os meninos e moleques, chorando, escondem‐se debaixo da mesa e cadeiras; o Capitão, na primeira volta que dá fugindo de Faustino, sobe para cima da cômoda; Antônio Domingos agarra‐se a Pimenta, e rolam )untos pelo chão, quando Faustino sai: e Maricota cai desmaiada na cadeira onde cosia.)
PIMENTA, rolando pelo chão, agarrado com Antônio ‐ É o demônio!...
ANTÔNIO ‐ Vade‐retro, Satanás! (Estreitam‐se nos braços um do outro e escondem a cara.)
CHIQUINHA chega‐se para Maricota ‐ Mana, que tens? Não fala; está desmaiada! Mana? Meu Deus! Sr. Capitão, faça o favor de dar‐me um copo com água.
CAPITÃO, de cima da cômoda ‐ Não posso lá ir!
CHIQUINHA, à parte ‐ Poltrão! (Para Pimenta:) Meu pai, acuda‐me! (Chega‐se para ele e o chama, tocando‐lhe no ombro.)
PIMENTA, gritando ‐ Ai, ai, ai! (Antônio, ouvindo Pimenta gritar, grita também.)
CHIQUINHA ‐ E esta! Não está galante? O pior é estar a mana desmaiada! Sou eu, meu pai, sou Chiquinha; não se assuste. (Pimenta e Antônio levantam‐se cautelosos.)
ANTÔNIO ‐ Não o vejo!
CHIQUINHA, para o Capitão ‐ Desça; que vergonha! Não tenha medo. (O Capitão principia a descer.) Ande, meu pai, acudamos a mana. (Ouve‐se dentro o grito de Leva! leva! como costumam os moleques, quando arrastam os judas pelas ruas.)
PIMENTA ‐ Aí vem ele!... (Ficam todos imóveis na posição em que os surpreendeu o grito, isto é, Pimenta e Antônio ainda não de todo levantados; o Capitão com uma perna no chão e a outra na borda de uma das gavetas da cômoda, que está meio aberta; Chiquinha esfregando as mãos de Maricota para reanimá‐la, e os meninos nos lugares que ocupavam. Conservam‐se todos silenciosos, até que se ouve o grito exterior ‐ Morra! ‐ em distância.)
CHIQUINHA, enquanto os mais estão silenciosos ‐ Meu Deus, que gente tão medrosa! E ela neste estado! O que hei‐de fazer? Meu pai? Sr. Capitão? Não se movem! Já tem as mãos frias... (Aparece repentinamente á porta Faustino, ainda com os mesmos trajos; salta no meio da sala e vai cair sentado na cadeira que está junto à mesa. Uma turba de garotos e moleques armados de paus entram após ele, gritando: Pega no judas, pega no judas! ‐ Pimenta e Antônio erguem‐se rapidamente e atiram‐se para a extremidade esquerda do teatro, )unto aos candeeiros da rampa; o Capitão sobe de novo para cima da cômoda: Maricota, vendo Faustino na cadeira, separado dela somente pela mesa, dá um grito e foge para a extremidade direita do teatro; e os meninos saem aos gritos de debaixo da mesa, e espalham‐se pela sala. Os garotos param no fundo )unto à porta e, vendo‐se em uma casa particular, cessam de gritar.)
FAUSTINO, caindo sentado ‐ Ai, que corrida! Já não posso! Oh, parece‐me que por cá ainda dura o medo. O meu não foi menor vendo esta canalha. Safa, canalha! (Os garotos riem‐se e fazem assuada.) Ah, o caso é esse? (Levanta‐se.) Sr. Pimenta? (Pimenta, ouvindo Faustino chamá‐lo, encolhe‐se e treme.) Treme? Ponha‐me esta corja no olho da rua... Não ouve?

(...)

Maricota: Então, quer que continue, ou quer casar‐se?
MARICOTA, à parte ‐ Estou conhecida! Posso morrer solteira... Um marido é sempre um marido... (Para Pimenta:) Meu pai, farei a sua vontade.
FAUSTINO ‐ Bravíssimo! Ditoso par! Amorosos pombinhos! (Levanta‐se, toma Maricota pela mão e a conduz para junto de Antônio, e fala com os dous à parte:) Menina, aqui tem o noivo que eu lhe destino: é velho, baboso, rabugento e usurário ‐ nada lhe falta para sua felicidade. É este o fim de todas as namoradeiras: ou casam com um gebas como este, ou morrem solteiras! (Para o público:) Queira Deus que aproveite o exemplo! (Para Antônio:) Os falsários já não morrem enforcados; lá se foi esse bom tempo! Se eu o denunciasse, ia o senhor para a cadeia e de lá fugiria, como acontece a muitos da sua laia. Este castigo seria muito suave... Eis aqui o que lhe destino (Apresentando‐lhe Maricota:) É moça, bonita, ardilosa, e namoradeira: nada lhe falta para seu tormento. Esta pena não vem no Código; mas não admira, porque lá faltam outras muitas cousas. Abracem‐se, em sinal de guerra! (Impele um para o outro.) Agora nós, Sr. Capitão! Venha cá. Hoje mesmo quero uma dispensa de todo o serviço da Guarda Nacional! Arranje isso como puder; quando não, mando tocar a música... Não sei se me entende?...
CAPITÃO ‐ Será servido. (À parte:) Que remédio; pode perder‐me!
FAUSTINO ‐ E se de novo bulir comigo, cuidado! Quem me avisa... Sabe o resto! Ora, meus senhores e senhoras, já que castiguei, quero também recompensar. (Toma Chiquinha pela mão e coloca‐se com ela em frente de Pimenta, dando as mãos como em ato de se casarem.) Sua bênção, querido pai Pimenta, e seu consentimento!
PIMENTA ‐ O que lhe hei‐de eu fazer, senão consentir!
FAUSTINO ‐ Ótimo! (Abraça a Pimenta e dá‐lhe um beijo. Volta‐se para Chiquinha:) Se não houvesse aqui tanta gente a olhar para nós, fazia‐te o mesmo... (Dirigindo‐se ao público:) Mas não o perde, que fica guardado para melhor ocasião.