[Aluísio de Azevedo]
Sobre o Autor
Nasceu em São Luís do Maranhão, em 1857. Depois de seus primeiros estudos, dedicou-se ao comércio, como caixeiro. Com quatorze anos, estudou pintura no Liceu Maranhense, mas não concretizou seus objetivos neste campo artístico. Iniciou na imprensa como caricaturista de "O Fígaro" e, em 1878, é obrigado a voltar a São Luís devido à morte do pai. Nessa época, publicou o romance Uma Lágrima de Mulher, ainda de inspiração romântica. As leituras de Zola e Eça mostram-lhe um novo caminho. Em 1881, publicou, então, O Mulato, com o qual inaugurou o Naturalismo na literatura brasileira.
O romance provocou violenta reação na sociedade maranhense, coagindo-o a retornar ao RJ. Dessa fase em diante, dedicou-se à literatura e à imprensa, publicando romances, escrevendo folhetins e contos na imprensa, ou redigindo peças teatrais junto com o irmão Artur. Dedicou-se depois pela carreira diplomática e consular. Aprovado em concurso, é nomeado para o cargo de vice-cônsul em Vigo, Espanha. Fora do Brasil, abandonou a carreira de escritor, deixando apenas um livro como registro de suas viagens pelo Oriente. Faleceu em Buenos Aires, em 1913.
Na carreira literária de Aluísio Azevedo, distinguimos duas fases: a composição de obras para a imprensa, com o intuito de se sustentar na vida modesta e sem recursos, e a produção de verdadeiras obras-primas em que se encontram os romances de intenção artística, quando adere ao espírito naturalista e passa a analisar o comportamento da sociedade burguesa.
Resumo
Amâncio de Vasconcelos, um jovem maranhense, vem para o Rio de Janeiro, com o propósito de realizar o curso de Medicina. De início hospeda-se em casa de um conhecido da família, Luís Campos, que vivia com sua mulher Dona Maria Hortência e uma cunhada, Dona Cadotinha. Entretanto, Amâncio encontrara-se! com um amigo e coprovinciano, Paiva Rocha, e passa a viver uma vida desvairada e boêmia. As extravagâncias de chegar altas horas da noite, faltar às aulas, embebedar-se, não lhe eram permitidas em casa de Campos. Por outro lado, o jovem estudante começara a despertar um certo interesse no coração de Hortência. Levado por esses motivos resolve mudar-se para a pensão de João Coqueiro, que lhe fora apresentado por Paiva Rocha.
Acaba envolvido por Amélia, irmã de João Coqueiro, que finge ignorar o romance e explora-a, exigindo dinheiro do rapaz [Amâncio]. Enredado no ambiente asfixiante e corrupto da pensão de João Coqueiro e de Mme. Brizard, sua mulher, envolvido em uma série de tramas, Amâncio resolve viajar para São Luís, para rever a mãe, agora viúva. João Coqueiro suspeita da viagem, e consegue que a polícia prenda Amâncio sob acusação de defloramento, da qual o estudante é absolvido, em rumoroso julgamento.
Inconformado com a absolvição, João Coqueiro assassina Amâncio com um tiro.
Observações
Casa de Pensão é uma espécie de narrativa intermediária entre o romance de personagem [O Mulato] e o romance de espaço [O Cortiço]. Como em O Mulato, todas as ações ainda estão vinculadas à trajetória do herói, nesse caso, Amâncio de Vasconcelos. Mas, como em O Cortiço, a conquista, ordenação e manutenção de um espaço é que impulsiona, motiva e ordena a ação. Espaço e personagem lutam, lado a lado, para evitar a degradação.
O romance foi inspirado em um caso verídico, a Questão Capistrano, crime que sensibilizou o Rio de Janeiro em 1876/77, envolvendo dois estudantes, em situação muito próxima à da narração de Aluísio Azevedo.
As teses naturalistas, especialmente o Determinismo, alicerçam a construção das personagens e das tramas.
No texto que transcrevemos a seguir, Aluísio Azevedo, ao descrever a formação de Amâncio Vasconcelos, mostra os fatores que determinaram o seu comportamento e o seu destino: a educação severa do pai e do mestre-escola, a superproteção da mãe, a sífilis contraída da ama-de-leite, que são as geratrizes de uma personalidade reprimida e hipócrita:
"... esses pequenos episódios de infância, tão insignificantes na aparência, decretaram a diluição que devia tomar o caráter de Amâncio. Desde logo habituou-se a fazer uma falsa ideia de seus semelhantes; julgou os homens por seu pai, seu professor e seus condiscípulos. - E abominou-os. Principiou a aborrecê-los secretamente, por uma fatalidade do ressentimento, principiou a desconfiar de todos, a prevenir-se contra tudo, a disfarçar, a fingir que era o que exigiam brutalmente que ele fosse. "
Inseguro, necessitado de proteção materna, Amâncio procura na pensão carioca o substitutivo da família, incapaz de perceber as ciladas que lhe são armadas pela proprietária, Mme. Brizard e pela sensual Amélia. O dinheiro é a mola dessa sociedade corrupta e hipócrita. Observe o cinismo dos pensamentos de João Coqueiro, refletindo sobre o comportamento que sua irmã, Amélia, deveria simular, para envolver Amâncio:
"Amélia, desde que se convertesse numa necessidade para a vida de Amâncio, este, com certeza, seria o mais interessado em fazer dela sua esposa; por conseguinte, agora o que convinha era que a rapariga também ajudasse de sua parte, empregando todo o jeito e boa vontade de que pudesse dispor. - devia mostrar-se cordata, simples nos seus gostos, bem arranjadinha, amiga do asseio, honesta, digna, enfim, de um marido!"