"Saio da vida para entrar na História"
Sem a emergência de uma nova liderança política, a divisão dos partidos e suas indecisões possibilitaram a candidatura de Getúlio Vargas. Getúlio venceu com grande margem de diferença, obtendo 3.843.000 votos (48,7%) sustentado pelo PTB, PSP (Partido Social Progressista, agrupamento populista em torno de Adhemar de Barros), vários setores do PSD e grupos de esquerda. Eduardo Gomes obteve 2.342.000 votos (29,7%), com o apoio da UDN e do PRP (Partido de Representação Popular — antigos integralistas de Plínio Salgado); Cristiano Machado, com 1.697.000 votos (21,5%), representava parte do PSD. Getúlio iniciou seu mandato enfrentando uma inflação crescente, que minava as divisas nacionais.
Diretrizes econômicas: o nacionalismo de Vargas
Com Vargas, o governo passou a desempenhar um papel mais ativo na economia. Durante o governo Dutra, a política econômica objetivara as condições de funcionamento e prosperidade do setor privado, nacional e estrangeiro.
A medida que avançava a industrialização, ainda que espontâneo, progredia a divisão social do trabalho e a diferenciação social interna da sociedade brasileira; as classes sociais tornavam-se mais nítidas.
Todavia, era preciso enfrentar problemas como a inflação, o desequilíbrio na balança de pagamentos, a insuficiência de oferta de gêneros alimentícios para as populações dos centros urbanos em rápido desenvolvimento.
A política econômica de Vargas, no período entre 1951-1954, pautou-se pelo nacionalismo.
O problema básico de Vargas, quanto à política econômica, era o da estratégia a ser usada para o desenvolvimento brasileiro. Como avançaria o país para um estágio de crescimento que requeria expansão de bens de capital, vastos investimentos de infra-estrutura, tais como transporte, força hidrelétrica e combustíveis? Essas necessidades foram claramente delineadas em um estudo publicado pela Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL).
No início da década de 50, a economia havia encontrado um nó de estrangulamento que só poderia ser rompido por decidida ação governamental. Perante Vargas, surgiam três fórmulas principais de política de desenvolvimento: a neoliberal, a desenvolvimentista-nacionalista e a nacionalista radical.
A fórmula neoliberal postulava que os orçamentos governamentais deveriam ser equilibrados e as emissões severamente controladas. O capital estrangeiro deveria ser bem recebido e estimulado, como ajuda para um país carente de capitais. O principal porta-voz desta fórmula era o economista Eugênio Gudin.
A fórmula desenvolvimentista-nacionalista pleiteava uma economia mista, em que o setor privado receberia novos incentivos, na proporção de um determinado número de prioridades. O Estado interviria mais diretamente, através de empresas estatais e de empresas de economia mista, para romper os pontos de estrangulamento (transporte, energia elétrica) e assegurar investimentos nas áreas em que faltasse ao setor privado a vontade ou os recursos para se aventurar. O capital estrangeiro, embora importante, só seria aceito sob cuidadosas regulamentação por parte das autoridades brasileiras. Esta era a posição de um grupo pequeno, mas variado. Destacavam-se oficiais do Exército, que entendiam que o Brasil só se tornaria uma grande potência, caso desenvolvesse sua indústria. Além disso, a segurança nacional do Brasil exigia que a exploração de recursos naturais se mantivesse a salvo de mãos estrangeiras.
A terceira fórmula, a do nacionalismo radical, merece menor atenção que as outras, na medida em que não era dirigida a "uma revisão da estratégica brasileira para o desenvolvimento, mas para desacreditar a elite política, como prelúdio a uma reorganização radical da sociedade." Embora defendida pelo PCB, era também uma posição apoiada por outros setores não-comunistas.
Realmente havia grandes problemas a serem resolvidos. Havia pontos de estrangulamento como o transporte inadequado, energia elétrica insuficiente e falta de fontes internas de combustíveis. O Brasil era um exemplo de economia "dual", de um lado o centro-sul, industrializado, de outro o nordeste empobrecido.
Outro problema grave era o balanço de pagamentos deficitários, que impunha limitações à nossa capacidade de importar. A industrialização estava relacionada à possibilidade de comprar equipamentos básicos e materiais estrangeiros. Dependíamos para isso das divisas da exportação, isto é, em suma, do café, sujeito às oscilações do mercado.
Um último e grave problema era o crescimento da taxa de inflação. Depois de 1947, quando as reservas cambiais se exauriram e as fontes internas de fornecimento se mostraram insuficientes, o aumento de preços foi rápido. Em 1950 a taxa de inflação foi de 11%, em 1952 já era de 21%!
Vargas procurou resolver esses problemas de uma forma cautelosa.
Em dezembro de 1950, o governo dos Estados Unidos concluiu, com o Brasil, um acordo para a organização da Comissão Mista Brasil-Estados Unidos para o Desenvolvimento Econômico. A comissão objetivava, com seus estudos, criar condições para eliminar os obstáculos ao fluxo de investimentos públicos e particulares, estrangeiros e nacionais, necessários para promover o desenvolvimento econômico. Um dos seus primeiros resultados foi a criação, em 1952, de um Banco nacional de Desenvolvimento Econômico, ou BNDE, que se destinou a anular ou reduzir as deficiências infra-estruturais que impediam o desenvolvimento da economia brasileira.
O arquiteto da nova política de desenvolvimento brasileira foi o ministro da Fazenda, Horácio Lafer. Seu plano quinquenal, que exigia um bilhão de dólares em novos investimentos em indústrias de base nos setores estrangulados de transporte e energia, foi aprovado em 1951 e apoiado pelo BNDE.
O decréscimo das divisas de exportação, a partir de 1952, exigiu a mudança da política cambial mais flexível, com a desvalorização do cruzeiro. Em 1953 a SUMOC (Superintendência da Moeda e do Crédito) baixou um sistema de taxas múltiplas (Instrução 48, de fevereiro de 1953 e Instrução 70, de outrubro de 1953).
Em dezembro de 1951, Vargas mandara para o Congresso um projeto de lei para a criação de uma empresa petrolífera de capital misto (que seria chamada de Petrobrás — com a maioria das ações em mãos do governo), que ficaria com o monopólio de perfuração de petróleo e de todas as refinarias, ressalvadas as já existentes e a distribuição de produtos de petróleo, que permaneceriam em mãos de particulares. O projeto, alvo de acirrada discussão, foi aprovado.
Na mesma linha, Vargas sugeriu a criação da Eletrobrás, dirigida pelo Estado, para regular e ampliar o setor de energia elétrica.
Um traço marcante dessa fase do governo Vargas foi sua crescente animosidade contra as empresas estrangeiras, acusadas de remessas exorbitantes de lucros. Em 1950, as remessas de lucro tottalizaram 83 milhões de dólares, mas em 1951, saltaram para 137 milhões de dólares. Vargas trouxa essa questão a debate público, explorando os sentimentos de nacionalismo econômico. Em 1952, emitiu um decreto que impunha um limite de 10% para remessas de lucro. A SUMOC recebeu poderes para aplicar esse limite, apenas quando o balanço de pagamentos estivesse seriamente pressionado. O decreto, letra-morta durante o governo Vargas, assumiria, mais trade, importante papel no questionamento político.
O início e do fim
Vargas desenvolveu uma acentuada política nacionalista, limitando as inversões de capitais externos. Foi esse programa, através do slogan "O petróleo é nosso", que criou a Petrobrás e a expansão da Siderúrgica de Volta Redonda. Contra Getúlio corriam boatos de um próximo golpe de Estado, para implantar no Brasil uma República Sindicalista, nos moldes do Peronismo argentino. Os opositores a Getúlio, pelo seu passado como ditador, ou aqueles que vinham se opondo a ele neste novo mandato, congregaram-se numa campanha antigetulista. De outro lado, o presidente acirrava suas posições, como no discurso em Curitiba, em dezembro de 1953, denunciando a remessa de lucros para o estrangeiro, como fator crônico das dificuldades brasileiras. Sob tais circunstância, o quadriênio de Getúlio Vargas foi dos mais agitados da história do Brasil. Getúlio tentou a aproximação com a "massa" (base-suporte) com fixação do salário mínimo, conseguida pelo ministro do Trabalho João Goulart (Jango). Para muitos, confirmavam-se os boatos. A oposição aumentava e escândalos vieram à tona: corrupção de pessoas ligadas ao governo e financiamentos subornados do Banco do Brasil. Carlos Lacerda, um dos líderes civis da posição a Getúlio e diretor do jornal carioca Tribuna da Imprensa, destaca-se na campanha contra Getúlio. De outro lado, os ferrenhos adeptos do presidente viam a sua figura política deteriorar-se.
O tiro saiu pela culatra
Foi nesse contexto que o atentado de Rua Toneleros contra Lacerda, no qual veio a falecer o Major-do-Ar Rubens Vaz, representou o estopim para a oposição.
A aeronáutica, defendendo a tese de Honra Nacional, ultrapassou a ação da Justiça na apuração dos responsáveis pela morte de um dos seus membros.
Paulatinamente, os resultados das investigações sobre os responsáveis pelo atentado fora arquitetado por Gregório Fortunato, o fiel guarda pessoal do presidente. A tensão aumentava. A própria situação econômica interna, sofrendo com a inflação crescente, tornava o povo descontente. O Exército interferiu no processo, pressionando Getúlio a demitir Jango do Ministério do Trabalho.
Em 21 de agosto de 1954, o vice-presidente Café Filho, que era uma lavo especial a tentativa da UDN de fomentar uma cisão dentro do governo, sugeriu a Getúlio que ambos renunciassem, deixando que o Congresso elegesse um sucessor interino para o restante do mandato presidencial. Getúlio recusou-se, dizendo a Café Filho que não abandonaria o Palácio antes do fim do seu mandato, exceto "morto". No dia 23 de agosto. Café Filho rompeu publicamente com o presidente.
No mesmo dia, 27 generais do Exército divulgaram um manifesto à nação, exigindo a renúncia de Getúlio. Na madrugado de 24 de agosto, Vargas suicidou-se com um tiro no coração.