I- O Autor:
José Oswald de Andrade [1890-1853] foi poeta, romancista, ensaísta e teatrólogo.
Figura de muito destaque no Modernismo Brasileiro, ele trouxe de sua viagem a Europa o Futurismo. Formado em Direito, Oswald era um playboy extravagante: usa luvas xadrez e tinha um Cadillac verde apenas porque este tinha cinzeiro, para citar apenas algumas de suas muitas extravagâncias. Amigo de Mário de Andrade, era seu oposto: milionário, extrovertido, mulherengo [casou-se 5 vezes, as mais célebres sendo as duas primeiras esposas: Tarsila do Amaral e Patrícia 'Pagu' Galvão]. Foi um dos principais artistas da Semana de Arte Moderna e lançou o Movimento Pau-Brasil e a Antropofagia, corrente que pretendia devorar a cultura europeia e brasileira da época e criar uma verdadeira cultura brasileira. Fazendeiro de café, perdeu tudo e foi à falência em 1929 com o crash da Bolsa de Valores. Militante esquerdista, passou a divulgar o Comunismo junto com Pagu em 1931, mas desligou-se do Partido em 1945.
Sua obra é marcada pela irreverência, pelo coloquialismo, pelo nacionalismo e pela crítica. Morreu sofrendo dificuldades de saúde e financeiras, mas sem perder o contato com os artistas da época. entre seus romances encontram-se Memórias Sentimentais de João Miramar, Os Condenados e Serafim Ponte Grande.
II- Obra:
Machado Penumbra abre o romance com um prefácio em que dá boas-vindas a João Miramar, saudando sua 'entrada de homem moderno na espinhosa carreira das letras'.
A partir daí, é narrada a trajetória desse novo escritor, sujeito ingênuo, educado na acanhada cidade de São Paulo, no começo do século. É um intelectual provinciano, cuja família rica vive da extração de café.
Na abertura, Miramar, ainda garotinho, é levado pela mãe ao oratório familiar e lá entre a imagem do manequim, propriedade materna, e a oração, o garoto pensa e reza:
'__ Senhor convosco, bendita sois entre as mulheres, as mulheres não têm pernas, são como o manequim de mamãe até em baixo. Para que perna nas mulheres, amém'.
Outra experiência do menino João recebe o título 'Gatunos de Crianças' e é assim condensada: 'O circo era um balão aceso com música e pastéis na entrada. E funâmbulos cavalos palhaços desfiaram desarticulações risadas para meu trono de pau com gente em redor. Gostei muito da terra da Goiabada e tive inveja da vontade de ter sido roubado pelos ciganos'. E, assim, em fragmentos, a trajetória de Miramar prossegue.
A viagem de navio à Europa vai destacando as cidades: manhã no Rio, Tenerife, Terra firme - Barcelona, Torre Eiffel, Milão, Vaticano, Sorrento, Veneza, etc. O namoro com Célia é assim apresentado: 'Vinham motivos como gafanhotos para eu e Célia comermos amoras em moitas de bocas. Requeijões fartavam mesas de sequilhos.
Destinos calmos como vacas quietavam nos campos de sol parado. A vida ia lenta como pontes e queimadas. Um matinal arranjo desenvolto de ligas morenava coxas e cachos'.
O casamento não passa sem registro: 'O Forde levou-nos para igreja e notário entre matos derrubados e a vasta promessa das primeiras culturas. Jogaram-nos flores como bênçãos e sinos tilintaram. A lua substituiu o sol na guarita do mundo, mas o dia continuou tendo havido entre nós apenas uma separação precavida de bens'. E a seguir, o nascimento do primeiro filho: 'Minha sogra ficou avó'.
O tempo passa e Miramar se apaixona por uma estrela de cinema, Madame Rolah, e a esposa logo percebe a ausência do marido: '... Não se esqueça de todas as minhas outras encomendas e traga também um par de sapatos de lona branca para Celiazinha. Vai a medida do pé. Temos tido muito calor nestes dias. Por que é que não me escreves? Veja se vem logo. Abraça-te e beija-te. Tua Célia'.
Mas, Miramar só tem olhos para a amante, passando dias maravilhosos com ela, enquanto a sogra e filhos percorrem a Europa, pedindo com frequência o envio de dinheiro: '... Nós não vamos embora para o Brasil porque mamãe tem medo dos sobremarinos. P.S. Vimos a Ponte dos Suspiros onde morreu Romeu e Julieta e tiramos um retrato pegando nas pombas. Nair'.
Os negócios vão mal, mas o romance com Rolah...: 'Ela me tinha confessado pela manhã que seus amores anteriores com pastores não tinham passado de pequenos flertes de criança. Agora quando tínhamos descido a escada longa eu me tinha baixado até os orquestrais cabelos louros. E tínhamo-nos juntando no grande doce e carnoso grude dum grande beijo mudo como um surdo'.
Célia descobre tudo e exige a presença do marido na Fazenda Bambus: 'Entrei em Higienópolis para jantar e sobre a mesa um telegrama azul exigia minha imediata presença nos Bambus. Célia sabia tudo laconicamente'.
A família é levada à falência e desonra: 'Higienópolis encheu-se às cornetadas da falência e desonra. Meu folhetim foi distribuído grátis a amigos e criados. E tia Gabriela sogra granadeira grasnou graves grosas de infâmias. Entrava doméstico para comer e dormir longe de Célia. Os criados eram garçons de restaurante'.
As dívidas são muitas e têm de ser pagas: 'Eu e o conde e o Britinho éramos de semanas os autores mais citados na pendenga madura da sala de verdes audiências do Forum Cível Paulista. Capinhas pretas enrouqueciam com pinga derredor das oblongas mesas zunzum com a lonjura de nossos privilegiados nomes protestados.
Primeiras praças anunciaram-se dos bens legados por inventário de mãe únicos válidos havidos para credores ante a Verdun contratual do separado casamento com Célia...'
A esposa falece e João Miramar decide interromper as memórias, motivando a seguinte entrevista: '__ Com que então o ilustre homem pátrio de letras não prossegue suas interessantíssimas memórias? ___ Não. ___Seria permitido ao grosso público ledor não ignorar as razões ocultas da grave decisão que prejudica assim a nossa nascente literatura? ___ Razões de estado. Sou viúvo de D. Célia. ___ Daí? ___ Disse-me o dr. Mandarim que os viúvos devem ser circunspectos. Mais, que depois dos trinta e cinco anos, mezzo del camin di nostra vita, nossa atividade sentimental não pode ser escandalosa, no risco de vir a servir de exemplo pernicioso às pessoas idosas...'