Os holandeses perceberam a vulnerabilidade que as colônias portuguesas instaladas no Brasil apresentavam e decidiram colocar parte de seus planos em prática invadindo a região Nordeste do Brasil nas primeiras décadas do século XVII. A Holanda, nesta época, contava com uma poderosa tecnologia naval, fruto de investimentos advindos do "acolhimento", da parte dos holandeses, com relação aos cristãos -- novos, foragidos de outras regiões.
Para entendermos as intenções holandesas
1536 -- 1821 período em que o Santo Ofício já atuava na Espanha e também iniciou, em 1536, suas atividades em Lisboa.
A distinção entre cristãos -- velhos e cristãos -- novos percorreu desde o início desta instituição até 1775. Em Lisboa os judeus foram convertidos à força pela então realeza portuguesa. Entretanto, o que pretendemos a respeito da Inquisição é com relação ao seu alvo de atuação, ou fundo de argumentação, melhor dizendo, para o desenvolvimento das perseguições.
Grande parte dos livros de história relatam a questão religiosa referente a "necessidade" de tal perseguição. No entanto, é importante sabermos que além da dimensão religiosa (escândalos sexuais, heresia, questionamentos feitos a santos católicos, etc), há também a questão econômica.
A grande maioria dos descendentes de judeus, convertidos sob o reinado manoelita eram portadores de significativas fortunas, eram comerciantes de importante potencial, tais fortunas eram também representadas pelos bens materiais dos judeus.
O Santo Ofício, quando capturava um "herege" executava um procedimento. Este procedimento consistia no confisco de todos os bens do acusado, uma atitude que prevalecia até o julgamento final, seja ele condenatório ou não. Os bens do prisioneiro "teoricamente" eram devolvidos em casos raríssimos de absolvição do julgado.
Além disto, durante todo período de trâmite do processo inquisitorial, todas as despesas com o próprio acusado, como também a dos funcionários do Santo Ofício eram pagas pela família da própria "vítima".
"O confisco de seus bens significava a transferência de enormes somas para Inquisição e para Coroa. Tratava-se de uma forma de apropriar-se de lucros de comerciantes bem -- sucedidos. Por esta razão, o impacto das perseguições inquisitoriais sobre a economia foi bastante negativa." Pg. 47
Era desta forma que agia o tribunal do Santo Ofício. No Brasil não fora diferente, as visitas inquisitoriais ocorreram em localidades de maior riqueza e de maior população. No século XVII o Nordeste brasileiro foi alvo dos tribunais, já no século XVIII foi a vez de Minas Gerais e depois Rio de Janeiro.
Estas atuações do Santo Ofício acabou desenvolvendo dificuldades para Coroa portuguesa, este remanejamento de grandes fatias econômicas de certa forma, desestabilizou os investimentos na tecnologia naval, os cristãos -- novos foram perseguidos e com eles suas fortunas que mantinham a armada lusitana. Portugal que mantivera grande estabilidade econômica lucrativa nos séculos XV e XVI, ao final deste último, passou a conhecer as dificuldades e sua decadência. Portugal, agora era exclusivista, sujeitando-se a disposição da Coroa espanhola, o que acarretou no aparecimento dum poderoso inimigo, a Holanda, até então grande distribuidora de seus produtos. Todo este ambiente é importante e, sobretudo, necessário para que possamos entender um pouco melhor sobre as invasões holandesas no Nordeste do Brasil. Evidente que o fato desta manutenção da economia influenciada pelo Santo Ofício, na transferência de importantes valores e com o abrigo dado pela Holanda aos cristãos -- novos não satisfaz totalmente nossa pesquisa, mas demonstra uma importante contribuição.
Evaldo Cabral de Mello, o mais capacitado dentre os historiadores para relatar de forma brilhante este período da açucarocracia brasileira, termo por ele mesmo definido, afirma que as colônias portuguesas, desde sua formação, sempre ofereceram maior fragilidade com relação a um possível ataque do inimigo. Diferentemente da Espanha, o litoral brasileiro não dispunha de nenhum tipo de segurança, um ataque inimigo provavelmente seria bem sucedido, pois a concentração da produção de açúcar não ficava muito distante da região litorânea. Talvez este tenha sido outro atrativo para Holanda resolver atacar primariamente as colônias portuguesas no Brasil. Mas além desta fragilidade de localidade, a Holanda também pode contar com extremo avanço em sua tecnologia naval, tomando o primeiro lugar de Portugal e Espanha.
Este humilde artigo tentará tratar destes assuntos, respondendo perguntas como: Como foi se formando, ao longo do tempo, esta decisão da Holanda em invadir o litoral do Nordeste brasileiro? Qual o papel de João Maurício de Nassau quando da sua chegada no Brasil em 1637? Não trataremos, pelo menos neste artigo, das grandes guerras havidas entre 1630 a 1654. Pretendemos fazer, em breve, um outro artigo como se fosse uma segunda parte deste, uma continuação.
A ascensão holandesa
Enquanto Portugal observava seu próprio fracasso, a Holanda crescia em seu importante comércio de tecidos, com significativa ajuda dos cristãos -- novos, acolhidos pelo país. A Holanda desenvolveu um tipo de navio destinado especificamente para guerras, era a fragata. Com isto, o domínio marítimo até então atribuído a Espanha e Portugal, passara a Holanda. Ao final do século XVII a Holanda consegue sua dependência, após guerrear contra Espanha. Os holandeses, apercebidos dos bons resultados obtidos, tanto em estratégias com sua independência com também em seu poderio comercial, decide elaborar um plano para atacar as colônias portuguesas, por meio de um modelo já conhecido: a Companhia da Índias Orientais. Então, em 1620 é fundada, pelos holandeses, a Companhia das Índias Ocidentais, a exemplo da primeira, representando uma fusão entre comércio e guerra.
O primeiro ataque ao Brasil
O Brasil foi o primeiro alvo a ser atacado pelos holandeses. O primeiro ataque ocorreu na Segunda década do século XVII, com 1700 homens os holandeses invadiram a Bahia iniciando o conflito na região urbana, depois foram atraídos para regiões distantes, onde ficavam as instalações dos engenhos de cana -- de -- açúcar que funcionavam com a mão -- de -- obra escravista. Estes modelo de produção até então exclusivo dos portugueses despertou grande interesse aos holandeses.
Em maio de 1625 uma frota portuguesa consegue expulsar os holandeses, mas, durante o tempo em que os invasores estiveram ali, foi o suficiente para aprenderem o até então modelo exclusivo de produção escravista dos portugueses no trabalho com engenhos. Com isto o monopólio açucareiro da colônia portuguesa termina, tendo agora de competir sua produção com ingleses, franceses, holandeses e espanhóis.
O modelo escravista, a grosso modo representado pelos senhores de engenho e escravos conquistou a Europa daquele século. As Antilhas foi cede de engenhos franceses, ingleses, holandeses, etc. mesmo com toda concorrência, o Brasil ainda ocupava o primeiro lugar em lucratividade na produção do açúcar.
Sua localização privilegiada contribuía para isto, pois ficava próximo da África (facilitando o abastecimento de escravos), contava ainda com o fornecimento de alimentos advindos dos índios, fator que barateava a empresa.
Os holandeses, após serem derrotados no Brasil em 1625, decidem-se em 1630 realizar um novo ataque, agora em Pernambuco, região extremamente desenvolvida na produção açucareira do Nordeste brasileiro.
Desta vez com 3800 homens atracaram em Pernambuco, depois os holandeses contaram com reforço de mais aproximadamente 6000 homens, o domínio por parte dos holandeses foi incontestável, atingindo todo litoral nordestino até o Maranhão.
Jacobi Rabi
Estes personagem de origem alemã, chegou ao Brasil em 1637, logo se envolveu com os indígenas e fez uma verdadeira revolução com os nativos, ensinando-lhes táticas de guerra da europa, uma fusão da crueldade nativa com europeia. Os índios ficaram fortes aliados de Jacobi. Portugueses, judeus, protestantes, todos detinham grande ódio deste estrangeiro que não excitava em criar grandes problemas com quem resistia a seus interesses. Sua atuação durou até 1645, quando os próprios holandeses, temendo perder o controle sobre ele, decidiram executá-lo. Esta atitude dos holandeses foi um verdadeiro desastre contra eles próprios, pois todos os nativos que o apoiavam Jacobi passaram a apoiar os portugueses, com esta ajuda, o território seria novamente luso.
Porém, 1637 foi o ano em que ocorrera o fato mais ousado dos holandeses, agora com pleno domínio dos engenhos açucareiros, trouxeram para o Recife o conde Maurício de Nassau, que desembarcou no Brasil em janeiro de 1637, trazendo condigo uma equipe composta por pintores, escritores, arquitetos, etc. Nassau com isto, pretendia restaurar o Recife.
Pela primeira vez, uma colônia da América seria governada à europeia. Com supremacia militar e prevendo excelentes perspectivas econômicas, Nassau usou dinheiro e escravos da Companhia para atrair os donos de engenho para órbita holandesa. Com sinal de sua grandeza começou a reformar Recife, a primeira cidade planejada para ser capital do Brasil.
João Maurício de Nassau
Leia a biografia de João Maurício de Nassau
Sem dúvida um personagem de muito destaque durante o período da presença holandesa no Brasil. O Conde Maurício de Nassau chegou no Brasil, mais precisamente em Recife, região Nordeste do país, em 1637 -- quando a situação e ocupação militar já estava praticamente estabilizada, no que diz respeito ao domínio holandês frente as colônias portuguesas.
No entanto, Nassau não chegara só no território brasileiro, trouxe consigo uma equipe cultural, sim, composta, como já dissemos, por pintores, arquitetos, escritores, naturistas, médicos, astrólogos, etc. Suas intenções uniam conforto para sua estadia no país e também domínio da produção açucareira. Com a presença de Maurício, Recife sofreu uma verdadeira reformulação urbana, ele mandou construir jardins, lagos e um palácio para sua acomodação, localizado na ilha de Antônio Vaz. Em 1639 Nassau foi mais longe, acompanhou a construção de uma cidade inteira a seu gosto, denominada Cidade Maurícia, esta cidade ficava localizada ao lado de Recife, entre a foz do Capiberibe e Beberibe.
Artistas Registram As Riquezas Do Brasil Holandês
Os artistas que acompanharam Nassau retratavam a América naturalista, preocupavam-se em registrar a natureza destacando os animais e as paisagens vegetais, demonstrando assim, toda opulência do Brasil holandês, estes registros tinham o caráter científico, pois estas ilustrações ficaram conhecidas em toda Europa. Frans Post e Albert Eckhout foram os principais pintores trazidos por Maurício ao Brasil, registraram o Nordeste brasileiro, revelando as riquezas dos trópicos, a produção do açúcar, a cidade Maurícia, todos os feitos de Nassau foram devidamente registrados por estes dominadores de imagens.
Reação de Portugal
Diferentemente da dimensão holandesa, o Brasil português mostrava-se de mau a pior. A grande alternativa de Portugal foi buscar sua independência em 1640 ao nomear o duque de Bragança como D. João IV. Portugal dependia totalmente dos recursos advindos do açúcar brasileiro, distribuído pelos holandeses, para financiar seu conflito com a Espanha.
Holandeses próximos de deixar o Brasil
D. João IV conseguiu assegurar a independência de Portugal, sua busca agora referia-se a retomada das colônias apoderadas pela Holanda. Tarefa difícil, pois Nassau, por meio da Companhia das Índias, concedia créditos e escravos à vontade para os senhores de engenho do Brasil, a produção aumentava a cada período, entretanto, os próprios cofres na Holanda verificaram a falta de dinheiro em espécie, tudo o que tinham eram títulos de dívidas e empréstimos destes senhores de engenho. Começa então um questionamento quanto as atitudes de Maurício de Nassau. Em maio de 1644 a Holanda convoca a volta de Maurício de Nassau para estabelecer alguma manobra para reverter esta situação, então redigiram acordos, ou melhor, contratos onde ficou estabelecido que os senhores de engenho só teriam acesso a novos empréstimos após pagamento total das dívidas pendentes.
Em 1645, após tomarem conhecimento de que teriam de mexer em seus próprios bolsos, os colonos revoltaram-se contra tal atitude dos holandeses, a rebelião estava formada. Em pouco tempo, a Holanda perdera tudo o que havia conquistado até então, pondo fim ao grande sonho de conquista da América proferido pelos holandeses.
Somente em 1654 os holandeses deixaram definitivamente o território brasileiro, mas como dissemos, não entraremos nos detalhes das batalhas havidas, pelo menos neste expediente.
As terras brasílicas já conviveram com batalhas francesas, holandesas, enfim, com todos que aproveitavam-se de maneira ilegal das terras dos portugueses, que queriam manter o processo de colonização em desenvolvimento. Afinal, esta era uma alternativa que a Coroa portuguesa apostou com todas as suas forças para manter-se no cenário como nação a partir do século XVI.
A verdade é que os holandeses também desfrutaram um pouco das riquezas presentes nesta imensidão de terras produtivas, similarmente aos franceses que traficaram, em enorme quantidade, o pau -- brasil, por toda região litorânea. Fato que despertou os olhares de Portugal, no sentido da proteção e da necessidade de ocupação das terras recém "descobertas" por Cabral.
Com isso, a História do Brasil, tão rica, extensa e maravilhosa, nos comprova, ao longo dos séculos, a cobiça e a ambição dos estrangeiros pela exploração da imensa variedade de riquezas existentes na região conquistada pelos lusos em 1500. O Brasil é de quem?
Referência Bibliográfica
CALDEIRA, Jorge; CARVALHO, Flavio; MARCONDES, Claudio, GOES, Sergio. Viagem pela história do Brasil. 2ª Ed. São Paulo, Cia das Letras, 1997.
MELLO, Evando Cabral. Olinda Restaurada: guerra e açúcar no Nordeste, 1630-1654. 2ª Ed. Rio de Janeiro, 1998.