Uma das dificuldades para os que desejam escrever corretamente reside no emprego do C cedilhado. Devemos escrever torção ou torsão? Distensão ou distenção? Maciço ou macisso? Exceção ou excessão? Açúcar ou assúcar?
Para o entendimento da origem da cedilha na evolução das línguas neolatinas, especialmente em português, torna-se necessária uma abordagem filológica da questão.
A pronúncia do C no latim clássico era sempre K. Cicero, por exemplo, lia-se Kikero. No latim vulgar e nos romances que a ele se seguiram e que se transformaram nas línguas neolatinas, houve um abrandamento de pronúncia do c antes de e e de i. Inicialmente esta modificação prosódica era representada pela letra z colocada após o c. Posteriormente, a letra z passou a ser escrita por baixo do c em menores dimensões.[1]
Cedilha (cedilla em espanhol, cédille em francês, zediglia em italiano) quer dizer exatamente pequeno zeta (letra do alfabeto grego correspondentes ao z). O pequeno zeta transformou-se finalmente no sinal que todos conhecemos e que mais se assemelha a um pequeno c, virado para trás. Este sinal foi introduzido na composição tipográfica por Geoffroy Tory (1480-1533), escritor, gravador e impressor francês, que reformou a ortografia da língua francesa sob o reinado de Francisco I.[2]
Em textos arcaicos anteriores ao século XV encontra-se ç mesmo antes das vogais e ei.[3] Com o passar do tempo a cedilha deixou de ser usada, por desnecessário, nas palavras em que o ç antecede as vogais eei, conservando-se apenas antes das vogais a, oe u, naqueles casos em que houve abrandamento da pronúncia.
Em espanhol o c cedilhado foi substituído pela letra z. Em português o c cedilhado adquiriu som idêntico a ss, dando origem às dificuldades de nossa escrita.
Quando usar c cedilhado em lugar de ss? De modo geral, os substantivos terminados em -ção(-ssão) em português escrevem-se com ç ou ss, conforme derivem de palavras latinas terminadas em -tione ou -sione. Ex.: exceptione, exceção; extensione, extensão; punctione, punção; pressione, pressão; tensione, tensão; tortione, torção.
Escrevem-se ainda com c cedilhado:
a) os derivados do verbo ter. Ex.: contenção, retenção;
b) as palavras formadas com os sufixos -aço, -aça, -iço, -iça, -uço.
Ex.: bagaço, couraça, caniço, cortiça, dentuço;
c) depois de um ditongo. Ex.: beiço, louça, equação;
d) depois de in e un. Ex.: distinção, função;
e) as palavras de origem tupi. Ex.: açaí, maniçoba, cupuaçu, jararacuçu, Iguaçu, Uruaçu;
f) as palavras de origem árabe. Ex.: açafrão. açoite, açude, açúcar.
Existem outras regras para o emprego correto do c cedilhado, que poderão ser encontradas em obras especializadas.
Devemos considerar ainda as palavras homófonas, porém com grafia e sentido diversos, como apreçar e apressar; caçar e cassar; empoçar e empossar; laço e lasso; maça e massa; paço e passo; ruço e russo; tenção e tensão.[4]
Nos exemplos apontados no início destes comentários as formas corretas são: torção, distensão, maciço, exceção e açúcar.
Referências
1. VIEIRA, Frei Domingos: Grande dicionário português ou Tesouro da língua portuguesa., vol.2, 1873, p. 159. Porto, Ernesto Chardron e Bartholomeu H. de Moraes, 1871-1874.
2. PORTA, Frederico: Dicionário de artes gráficas. Rio de Janeiro, Ed. Globo, 1958, p. 71
3. NUNES, José Joaquim: Crestomatia arcaica, 7.ed. Lisboa, Liv. Clássica Ed., 1970, p. 25.
4. SOUSA, Milton O’Reilly de: Dicionário de fonografia, 1960, p. 49-67