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Tutaméia - Terceiras Estórias

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[Guimarães Rosa]

Publicado em julho de 1967, poucos meses antes da morte de Guimarães Rosa, Tutaméia [Terceiras estórias] é a reunião de 40 histórias extremamente curtas, que haviam sido veiculadas anteriormente no jornal Pulso, uma publicação dedicada aos médicos.

No seu lançamento, o livro causou estranheza à crítica e aos leitores quer pelo número e extensão dos trabalhos, quer pelo próprio título que afirmava serem aquelas as 'terceiras estórias', sem que, no entanto, tivesse havido as 'segundas', depois do livro anterior.

Os quatro prefácios de Tutaméia [Terceiras estórias] reiteram a estranheza. Eles foram distribuídos de intermeio às histórias, que seguem uma ordem alfabética e, apesar de seu caráter quase didático, mantêm as mesmas características de linguagem dos demais textos do volume.

Visto isso, foram os que se perguntaram como encarar o livro de Guimarães Rosa: se como uma 'anedota de abstração' [expressão utilizada pelo próprio autor em um dos prefácios], como síntese de todo o trabalho, ou como um novo momento de escrita em que a linguagem - o texto falando de si próprio - seria predominante.
Infelizmente, a questão sobre uma 'nova fase' nos textos de Guimarães Rosa ficou em aberto. Os livros que seriam publicados posteriormente em edições póstumas eram apenas coletâneas de material escrito em diferentes épocas e ainda não-publicado. Restou o livro em si como enigma.

Um fato, entretanto, não se pode negar: nas 40 histórias, o enredo é muito tênue. São, como afirma Assis Brasil, no livro Guimarães Rosa, 'apenas 'sequências', 'episódios', atos 'circunstanciais' - a trama eliminada, a história, fica apenas a vida a expor-se, a entremostrar, neste painel de tutaméias'. Isso faz com que se tenham flashes sobre determinadas situações que o leitor atento deve captar e, pelo raciocínio, completar, dando-lhe continuidade. Há, portanto, em todo o livro, um movimento de solicitar a participação efetiva do leitor.

Veja-se, por exemplo, 'Antiperipléia' que, após o prefácio 'Aletria e hermenêutica' abre o volume. É um breve relato, espécie de defesa, de um homem acusado de ter assassinado o cego de quem era guia. A fala do personagem-narrador, assim como em Grande sertão: veredas, abarca também as réplicas de seu interlocutor, um homem da cidade. Um detalhe, porém, dado no último parágrafo chama atenção:

'Vou para guia de cegos, servo de dono cego, vagavaz, habitual no diferente, com senhor.
Seô Desconhecido'.

Isso faz com se coloque uma questão: será que o homem culto, que não apresenta cegueira aparente, é que, na verdade, precise ser guiado e, por isso, o guia apresenta seus serviços?

Feita essa pergunta, naturalmente se impõe uma outra, relativa à espécie de cegueira que o interlocutor culto possuiria.

Se lembrarmos que o leitor de 'Antiperipléia' se identifica, pela sua posição, com o homem da cidade - que sabe ler e procura tomar conhecimento do 'causo' narrado - pode-se inferir que o conto alerta para fatos que o leitor comumente 'não enxerga'. Teríamos, assim, no primeiro texto de Tutaméia uma espécie de parábola, baseada no provérbio ' O pior cego é aquele que não quer ver'. E o que 'Antiperipléia' talvez nos queira mostrar, assim como toda a produção de Guimarães Rosa, é a presença da poesia, sem deixar de destacar, entretanto, a existência de seres marginalizados, em condições precárias de existência.

O texto 'Hipotrélico', não é um conto. É um dos quatro prefácios que compõem Tutaméia [Terceiras estórias]. Segundo Guimarães Rosa, o leitor não deveria contentar-se com uma única leitura e, para os que fazem uma Segunda leitura, os prefácios são de muita serventia, pois 'juntos compõem ao mesmo tempo uma profissão de fé e uma arte poética e que o escritor, através de rodeias, voltas e perífrases, por meio destas alegorias e parábolas, analisa o seu gênero, o seu instrumento de expressão, a natureza da sua inspiração, a finalidade da sua arte, de toda arte'.

'Hipotrélico' é um prefácio que discute o direito que o escritor tem de criar palavras [neologismos].

De forma maliciosa e irônica, o autor se coloca no papel de quem combate o 'vezo de palavrisar' utilizando todos os argumentos que já foram usados contra ele e deixando à vista as inconsequências e a fala de criatividade dos puristas da língua.

A propósito do significado da palavra tutaméia, Paulo Rónai - em artigo publicado no jornal O Estado de São Paulo, em 16 de março de 1968, afirma: 'No Pequeno Dicionário da Língua Portuguesa encontramos tuta-e-meia definida por Mestre Aurélio como 'ninharia, quase nada, preço vil, pouco dinheiro'. Numa glosa da coletânea, o próprio contista, confirma a identidade dos dois termos, juntando-lhes outros equivalentes pitorescos, tais como 'nonada, baga, ninha, inânias, ossos de borboleta, quiquiriqui, mexinflório, chorumela, nica'.

Atribuiria ele tão pouco valor ao volume? Ou terá adotado a fórmula como antífrase carinhosa e, talvez, até supersticiosa? Inclinou-me para esta última suposição'.
Se em todos os textos de G. Rosa, a linguagem, em todos os seus níveis, tem um lugar privilegiado, em 'Desenredo' é a narrativa literária o motivo primeiro da história.

Observe que há uma subversão, como sugere o próprio título, da concepção de enredo. Utilizando todos os artifícios das histórias tradicionais de amor, o autor desorganiza a lógica romanesca fazendo prevalecer uma verdade 'inventada' - 'Jó Joaquim, genial, operava o passado - plástico e contraditório rascunho. Criava nova, transformada realidade mais alta. Mais certa?