Sempre que acabamos de escrever um texto narrativo, lá vem a mesma pergunta nos atormentando: será que ficou bom? Ao recebermos de volta nossa redação corrigida, vemos que falhamos em alguns aspectos, que poderíamos evitar alguns erros. Este artigo foi escrito pensando nisso: como evitar os "pecados" mais frequentes da narrativa? Pois bem, vamos dividir os tais "pecados" em dez tipos mais frequentes e tentar não cometê-los.
1. Uso e mau uso das palavras
Você sabe muito bem que as palavras funcionam como matéria-prima para a construção de qualquer texto. No entanto, elas também são como uma faca de dois gumes, fique atento.
Um defeito que um bom texto jamais deverá apresentar é a repetição de palavras sem fins estilísticos. Claro que não estamos falando de repetições intencionais como as anáforas, por exemplo, mas daquele tipo que desgasta a narrativa e empobrece, inclusive, seus significados. Veja o exemplo:
"A menina esteve sentada ali durante toda a tarde. Coitada da menina, não sabia que a consulta duraria tanto e que sua mãe ficaria, então, preocupada. A menina pediu para telefonar e falou com a mãe, explicando-lhe a demora."
Dica: procure substituir os nomes por pronomes quando perceber que você repetiu muito a mesma palavra.
2. Uso de clichês
Nada mais devastador do que o clichê, entendendo-se como clichê as repetições de expressões, ideias ou palavras que, pelo uso constante e popularizado, nada mais significam.
Exclua de sua redação narrativa as expressões:
"lindo dia de sol", "abraço cheio de emoção", "beijo doce", "ao pôr-do-sol", "faces rosadas", "inocente criança", "Num belo domingo de Primavera...", "família unida", "uma grande salva de palmas", "paixão intensa".
Estes são apenas alguns exemplos, claro. E depende da sensibilidade de cada um para captar os desgastes que as palavras e expressões possuem.
3. Falta de coerência interna
Outro aspecto também muito desgastante: levando-se em conta que uma narrativa é uma sucessão de acontecimentos que ocorrem em tempo e espaço determinados, que envolvem ações feitas e recebidas pelas personagens, é interessante que jamais percamos a coerência interna.
Precisamos ter atenção na construção do texto narrativo, a fim de que ele, que é como se fosse um tapete num tear, não perca suas qualidades de completude. Deixar pelo caminho situações mal desenvolvidas, circunstâncias mal nomeadas ou esclarecidas dão sempre a ideia de desatenção, pressa ou falta de cuidado com a tessitura do texto. Ele deve sempre parecer um todo verossímil, capaz de convencer quem o leia. Imitação da vida ou ultra-realidade, o texto não pode, a não ser por escolha do autor, como estilo, parecer frágil em alguns aspectos, sem resistência de continuidade.
Mesmo que o tempo seja "cortado" e nele se insiram os flashback, não permita que ele se fragmente e esses fragmentos esgarcem a compreensão do que você imprimiu à sua história.
Dica: lembre-se de que a narrativa é como uma vida, um trecho dela: há circunstâncias que, se retiradas, fazem-na tornar-se = incompleta ou superficial.
4. Ausência de características das personagens
Quando construímos a personagem ou personagens, sabemos que elas devem parecer verdadeiras, criaturas assemelhadas que são aos humanos. Mesmo numa fábula ou num apólogo, em que animais ou coisas são personificados, há uma tendência de caracterizá-las como criaturas do mundo real.
Uma personagem, sobretudo a protagonista, deve ter traços fortes, típicos, particulares. Se você criá-las sem características específicas, não há como ressaltar- lhe os atos e tomá-los significativos na sequência da narração.
Dica: uma boa personagem tem um cacoete qualquer; uma cor de olhos, tiques, manias, gestos (passar a mão no cabelo, estalar os dedos ou balançar a cabeça de um lado para o outro.)
5. Ausência de características espaciais
Outro problema que é muito complicado para quem escreve é a caracterização do espaço onde ocorrem as ações. Muitas vezes, ele sequer existe, como no trecho abaixo:
"Enquanto lá fora chovia intensamente, as crianças pulavam aos berros sobre o sofá da sala."
Quando o corretor lê isso, sem mais nenhuma indicação posterior, o que pode imaginar é um sofá no meio do nada e três crianças pulando sobre ele... uma janela dependurada e lá fora a chuva intensa...
Este aspecto é tão importante que, frequentemente, revela estados de espírito, características psicológicas e intelectuais das personagens.
Dica: não seja excessivamente minucioso, aborde aspectos. Por exemplo: numa narrativa de terror ou suspense, em que uma determinada cena vai se desenvolver no sótão ; ou no porão, é imprescindível que você, em dado momento, indique - e descreva - os caminhos que conduzem a tais lugares.
6. Uso reiterado de adjetivos
Imagine se você lesse um início de narrativa assim:
"Numa linda, perfeita, maravilhosa, fantástica e ensolarada manhã de primavera brasileira, aquela extraordinária jovem de cabelos longos, negros e volumosos abriu a ampla janela para o belíssimo e perfeito jardim..."
Diga a verdade: você aguentaria ler o resto? É evidente que, ao descrever uma personagem ou o ambiente em que ela se encontra, precisaremos da ajuda de adjetivos; mas saiba priorizá-los no uso, evitando abundância desnecessária.
Uso ampliado de adjetivos também desgasta (como no exemplo acima) o texto, banaliza-o e nada acrescenta a ele senão um certo pernosticismo que todos queremos evitar.
7. Escrita circular
Qual é o tamanho correto que se deva dar a um texto narrativo no vestibular? Rigorosamente, não há tamanho exato para nenhum tipo de texto, muito menos os narrativos.
Mas convém não ultrapassar 40 ou 50 linhas para que não incorramos num erro muito significativo: escrever "circularmente", ou seja, repetir, infinitamente repetir, ao redor do mesmo tema, a mesma história ou argumentos como uma espécie de bêbado que fala sempre a mesma coisa.
Escrever circularmente é como andar em círculos, sem que possamos sair do lugar, investindo em algo que é importante para qualquer narrativa: as ações novas que se encadeiam, a peripécia dos acontecimentos, a sequência que nos permita um bom fecho.
Dica: antes de começar a escrever, faça um breve roteiro (não é um resumo) sobre como quer que a história se desenvolva. Ajuda muito e nos auxilia a não nos perdermos em descaminhos.
8. Começo, meio e fim...
Um bom texto narrativo deve seguir esta sequência: começo, meio e fim? Nem sempre. Muita gente, quando escreve, imagina que, para ser compreendido, é preciso ser didático. Errado, pecado mortal.
Não acredite nisso. Uma outra pergunta que se faz muito ao intentar um texto narrativo é se ele pode terminar em "aberto", ou seja, apenas com a sugestão de fecho, aceitando a interferência, a interação com o leitor que pode, de acordo com suas vivências e experiências, "fechá-lo" à sua maneira. Isso é uma boa dica, acredite, para fazer melhor o seu texto.
Experimente, por exemplo, começá-lo pelo clímax, assim você rompe o lugar comum e chama mais a atenção do seu corretor, que tal?
9. Esquecendo uma personagem
Antes de começar o seu texto, lembre-se de ler com atenção todas as recomendações do enunciado e não se esquecer de qualquer recomendação. Sobretudo quando se trata de criar um determinado tipo de personagem. Se o enunciado pedir a você que crie um detetive, uma mulher que lê mãos, um homem misterioso de chapéu, tais pedidos, certamente, fazem parte fundamental do que se pretende da narrativa.
Pior do que isso é começar a narrar e, após citar uma personagem, esquecê-la, deixá-la de lado, não trazê-la ao fio da história para que se desenvolva plenamente.
"Esquecer" uma personagem é ato narrativo imperdoável.
10. Esquecendo uma ação
Por fim, nada pior que esquecer uma ação exigida pelo enunciado.
Quando ele pede um determinado componente acional,melhor prestar muita atenção e dar um contorno de relevância a isso. Normalmente, o enunciado destaca o que pede como imprescindível.
E antes de passar a limpo a redação, vá ao rol de exigências e confira se cumpriu todos os itens.
Há duas coisas que dão nota zero na hora de elaborar o texto: fugir do modal, trocá-lo (pede-se, por exemplo, uma narração e você faz uma dissertação..). A outra é esquecer os itens do enunciado, descumpri-los ou relegar exigências fundamentais a circunstâncias secundárias.