Temos uma preferência por ler (ou escutar) histórias e tudo o que nos restou de qualquer civilização como registro tem como base a narrativa. Mas, com o aparecimento de filosofias, códigos e leis que regem os povos, com o advento do mundo técnico e racional, a dissertação ganha um lugar de destaque, sobretudo a partir do século XVIII, quando os jornais aparecem definitivamente e os homens célebres neles escreviam opinando ou debatendo.
No universo dos vestibulares, dissertar quer dizer analisar criticamente, discutir um tema, opinar e debater sobre um assunto de maneira ordenada (começo, meio, fim) e usando uma linguagem que se distancie da norma popular, coloquial, mas que condene o pedantismo, o purismo, o preciosismo. Ou seja: analisar, escrever sobre um tema que nos seja oferecido no vestibular usando preferencialmente a linguagem com a qual nos comunicamos (norma padrão), mas sem gírias, palavrões, lugares-comuns, os quais empobrecem o texto.
Os tipos dissertativos
A dissertação poderá ser classificada quanto ao método utilizado para sua obtenção das seguintes maneiras:
1. Expositiva
Acontece quando, no texto, o articulador das ideias utiliza dados fartamente noticiados em jornais, revistas, rádio, televisão, enciclopédias. Tais ideias são amplamente conhecidas e, por isso mesmo, inquestionáveis quanto ao conteúdo. Como o próprio nome diz, expõe os fatos, mas não apresenta necessariamente uma discussão.
Observe o exemplo:
Estado de São Paulo desperdiça 20 usinas hidrelétricas
Ana Paula Margarido
O Estado de São Paulo tem 20 pequenas centrais hidrelétricas (PCHs) desativadas que poderiam gerar pelo menos 16.715 kW de energia potencial suficiente para abastecer a população de uma cidade como Atibaia (SP), com 111,3 mil habitantes.
O levantamento é da Secretaria de Estado do Meio Ambiente, que informa que metade das usinas desativadas no Estado pertence à Cesp (Companhia Energética de São Paulo). A outra metade pertence à CPFL (Companhia Paulista de Força e Luz), à Eletra e à Emae (Empresa Metropolitana de Águas e Energia). As PCHs são usinas com potência instalada entre 1.000 kW e 30.000 kW que podem funcionar com o reservatório igualou inferior a 3 km quadrados. .
Estamos estudando uma forma de cassar a concessão das pequenas usinas paradas ", disse o comissáriochefe do grupo comercial e de tarifas da CSPE (Comissão de Serviços Públicos em Energia), Moacyr Trindade de Oliveira Andrade, 50. Fechadas em sua maioria no período do regime milita1; as PCHs são hoje um dos principais focos de prioridade da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) para aumentar o abastecimento no país.
Um estudo feito pela CSPE aponta que somente os rios Pardo, na região de Mogi-Guaçu, e Peixe, entre Sorocaba e Paranapanema, têm potencial hidráulico para construção de pequenos empreendimentos de 50 gigawatts.
Se todo esse potencial fosse explorado, o Estado, que atualmente importa 70% da energia que consome, conseguiria garantir o abastecimento residencial de uma cidade como Ribeirão Preto, com 504,9 mil habitantes, sem considerar seu parque industrial.
Só em São Paulo, as pequenas centrais hidrelétricas são responsáveis pela geração de 0,55% do potencial energético do Estado.
(Folha de São Paulo Online, 19/1/2003)
2. Argumentativa
Acontece quando, ao escrever, nos dispomos a refletir sobre os assuntos enfocados, usando pontos-devista pessoais, aproximando ou correlacionando os fatos a fim de que cheguemos facilmente a uma conclusão.
Entre as maneiras de dissertar, é considerada sofisticada: a visão sobre os fatos discutidos é crítica, há evidências e juízos que são trazidos à luz de maneira analítica.
Leia o exemplo abaixo:
O drama silencioso dos sem-carteira
Os trabalhadores informais não têm carteira assinada, não contribuem para a Previdência e estão completamente desassistidos pela legislação social. Mas os brasileiros habituaram-se a vê-los como um mal necessário. Principalmente nos últimos três anos, quando o problema do desemprego entrou na ordem do dia, os informais passaram a ser classificados como trabalhadores que, na falta de um emprego, arranjaram um jeito de ganhar a vida fora da economia oficial. Nesse grupo estão camelôs, empalhadores de cadeiras, bóias-frias, bombeiros e eletricistas. Todos trabalhando sem direito a aposentadoria, auxílio-doença, licença-maternidade, FGTS ou outro benefício social. É uma casta tão desconsiderada que não consta sequer das estatísticas do Ministério do Trabalho. Nada mais equivocado. Dos 69 milhões de brasileiros que trabalham, 60%, ou seja, 41 milhões, estão no mercado informal. Na década de 80, os informais não ultrapassavam 40% da população ativa.
O fenômeno não assusta apenas por seu crescimento vertiginoso. Um estudo recém-concluído pelo economista Marcelo Neri, chefe do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas, revela que a informalidade, e não o desemprego, é o problema mais grave do mercado de trabalho brasileiro. É entre os trabalhadores informais que a pobreza se faz presente de forma mais acachapante. "A situação é tão grave que o desemprego pode ser considerado um 'mal de luxo', enquanto o trabalho informal é 'um mal de pobre' ",afirma ele. Para chegar a essa conclusão surpreendente, o economista fez um extenso mapeamento da situação dos trabalhadores brasileiros. Descobriu que 51 % dos 46 milhões de pobres estão em famílias chefiadas por informais.
"Algumas pessoas não podem sequer dar-se ao luxo de ficar procurando emprego. Vão logo para a informalidade ", diz Neri. É gritante como o país trata o problema do desemprego com justa preocupação e usa tons pastel para descrever o emprego informal.
(Consuelo Dieguez, Veja, 18.10.2000)
3. Mista
Não seria preciso dizer que este último método é o melhor... Por quê? Porque guarda em si as possibilidades dos dois anteriores, ou seja: ao mesmo tempo que você expõe os fatos conhecidos de todos, que podem se transformar em exemplificação atualizada, também permite que se argumente de maneira analítica, portanto crítica, e aí sejam inseridos questionamentos, juízos de valor, elementos tão caros e necessários a qualquer texto dissertativo. Observe, agora, no texto abaixo, como o texto misto é mais completo e instigante:
De caso com o Brasil
(Símbolos nacionais aparecem nas roupas, na decoração e até em joias. É o brasileiro expressando nas ruas seu vínculo afetivo com o País)
Eliane Lobato e Renato Velasco O Brasil está apaixonado pelo Brasil. Basta olhar a quantidade e variedade de símbolos brasileiros expostos nas roupas, na decoração, na gastronomia e até em joias. É a dimensão estética da política: "Quando se percebe um movimento espontâneo no ritual das ruas é porque há um fenômeno social amplo efetivamente acontecendo.
O lado estético é fundamental porque mostra um povo reinventando o amor à pátria ", diz a pesquisadora Ângela de Castro Gomes, do Centro de Pesquisa e Documentação (CP Doc), da Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro. Na verdade, o Brasil está na moda, mas não aquela caricatura verde-amarela recorrente em Copa do Mundo. O patriotismo que aparece de quatro em quatro anos deu lugar ao nacionalismo que pressupõe vínculos afetivos com o País e escancara-se nos dias de hoje. Apesar de o vermelho-PT estar em alta, as cores que dão visibilidade à paixão são o verde e o amarelo, exibidos de forma despojada e autoral. Um despojamento respeitoso, em sintonia fina com a nova formação do poder em Brasília. Embora Lula tenha emitido um "comunicado informal" avisando que no Planalto a descontração tropical só é bem-vinda após o expediente, a cordialidade com que o poder central trata os populares faz o elo simbólico, mas forte, entre as ruas e o Palácio. A exibição de orgulho do País não é à toa. Com o dólar em queda e o apoio dos países vizinhos para tomar a América do Sul um bloco econômico forte, até o mega investidor americano George Soros, antes incrédulo, agora vê o Brasil com otimismo. O novo presidente está conquistando as atenções lá fora e se tornando uma liderança respeitada.
E é claro que a melhora da imagem do País no Exterior se reflete aqui dentro. Como em poucos momentos na história, o brasileiro experimenta um movimento de amor à pátria. E a corrente dos entusiastas já tem uma musa: Luma de Oliveira. Eterna rainha do Carnaval e uma das mais cobiçadas mulheres brasileiras, ela recebeu destaque recentemente também como a pessoa física que fez a mais alta doação à campanha de Lula: R$ 27 mil.
Casada com o empresário Eike Batista, ela conta que eles chegaram a pensar em sair do País na década de 90, tamanho o desânimo. "Resolvemos ficar porque é aqui que queremos criar nossos filhos, investir em trabalho, gerar empregos. Hoje vejo que fizemos a opção certa. O barco estava sem prumo e já tomou rumo de novo, embora as águas ainda estejam revoltas ", filosofa. Séria, ela se investe de responsabilidade cívica e pede aos compatriotas que "tenham calma porque as mudanças vão acontece!; mas não imediatamente". Nas várias viagens que faz acompanhando o marido, Luma diz perceber um ambiente favorável. "As pessoas estão começando a gostar de ser brasileiras. Dá para perceber isso nos mais diferentes lugares", afirma ela, demonstrando ter superado o incidente de sua ausência na cerimônia de posse de Lula. Ela faltou porque seu convite não dava direito à companhia do maridão.
As manifestações, por mais singelas que sejam, como a febre de plásticos da bandeira nacional em carros, vêm carregadas de consciência política compartilhada, e esse é um importante diferencial do momento. Fernando Collor; por exemplo, foi eleito presidente em 1989 em clima de euforia e boa expectativa, mas a esperança se reverteu em rejeição e impeachment três anos depois. O povo via em Collor; candidato de partido quase desconhecido, uma espécie de salvador da pátria. Nada a ver com Lula.
"A população já identifica o político como um profissional que pode fazer certas coisas, mas não milagres ", diz Ângela Gomes, também organizadora do livro recém-lançado A República no Brasil.
(Revista Isto É, 22/1/2003)
De qualquer maneira que escolhamos dissertar, o fazemos sempre para demonstrar aspectos do que pensamos, para persuadir o outro, para mostrar nossa capacidade de crítica, de análise sobre determinado grupo de acontecimentos. Dissertamos para demarcar um espaço intelectual, dizer algo que é ponto de vista nosso, particular, advindo do nosso esforço de compreender o mundo.