A corrente teórica do Socialismo Científico, ou do Marxismo, desenvolvida pelos filósofos e pensadores Karl Marx e F. Engels no século XIX acabaram por influenciar o processo revolucionário russo no início do século XX. Na segunda metade do século XIX, Marx e Engels tornaram-se as expressões filosóficas de combate ao modo de produção capitalista. Ambos compreendiam o capitalismo como um sistema injusto que gera pobreza, miséria, desigualdades e injustiças sociais, políticas e econômicas em geral devido a forte exploração do capital sobre a força de trabalho do operariado (ou proletariado). Marx sustentava que o capital era o responsável maior pela situação de exploração e miséria vivida pelos operários de fábricas. Segundo ele, com a apropriação dos meios de produção, a burguesia se tornou uma classe privilegiada (econômica, política e socialmente), dona do capital gerada pela produção fabril, que compra a força de trabalho do operário, o único bem que lhe restou, sob forma de salário. Mediante este quadro, Marx afirmava que o sistema capitalista deveria ser superado e que a única classe social que tinha a força para esta tarefa era o proletariado. O caminho, ou a maneira de realizar esta superação, segundo Marx, era a revolução.
Em seus inúmeros livros e textos que publicou, Marx (sempre em companhia de Engels que co-assinava as obras) deixou claro que a classe operária era a única capaz de derrubar com a ordem burguesa, logo, com o capitalismo. Com isso, Marx não só criou uma doutrina filosófica e política em oposição ao capitalismo, como também conquistou diversos seguidores, que eram, em geral, intelectuais que estudavam seus textos e livros, compreendendo-os, interpretando-os e ensinando a doutrina marxista a hordas de operários por meio de sindicatos, partidos políticos de esquerda (como a Social-Democracia) e demais organizações operárias. Desde as últimas décadas do século XIX que o marxismo ganhava adesões e força enquanto uma doutrina de pensamento coerente e capaz de provocar a superação do modo de produção capitalista. Não à toa que geralmente burgueses e políticos de direita, até hoje, odeiam K. Marx e seus escritos, assim como, seus seguidores.
Breve História do Socialismo Europeu no século XIX e início do século XX
O Socialismo na Europa, na versão de alguns historiadores, tem suas origens no período jacobino durante a Revolução Francesa do final do século XVIII. Para alguns analistas, os jacobinos, entre 1793 e 1794, teriam experimentado a construção de uma sociedade justa e igualitária tendo o voto universal (ou o sufrágio universal) como uma das bases da igualdade jurídica e social entre os cidadãos franceses. Porém, para a grande maioria o Socialismo tal como o conhecemos na teoria, teve suas origens com os chamados Socialistas Utópicos como Saint-Simon (1760-1825), Robert Owen (1711-1858), Charles Fourier (1772-1837), Louis Blanc (1811-1882) e Pierre-Joseph Proudhon (1809-1865). O Socialismo defendido por estes autores foi, mais tarde, denominado de socialismo utópico por seus opositores marxistas (os quais, por oposição, se autodenominavam socialistas "científicos"), e vem do fato de seus teóricos exporem os princípios de uma sociedade idealsem indicar os meios para alcançá-la. O nome vem da obra Utopia de Thomas More (1478-1535). Mas, foi com o marxismo, ou socialismo científico que a expressão adquiriu força vindo a ser a corrente ideológica de oposição ao sistema capitalista de produção.
A sociedade europeia na primeira metade do século XIX estava dividida entre duas forças antagônicas: Liberalismo – corrente de pensamento que justificava o capitalismo, sobretudo na Inglaterra e na França, e sua propagação – e Santa Aliança – corrente de pensamento desenvolvida partir do Congresso de Viena (1815) que legitimava, propondo uma restauração, o Absolutismo Monárquico e defender o sistema absolutista onde este era ainda uma realidade política em países como Rússia, Portugal, Espanha, Áustria e Prússia. Para que o sistema capitalista, logo a consolidação burguesa, pudesse concretizar-se, em 1820, 1830 e 1848revoluções burguesas ocorreram em diversos países europeus, sendo as revoluções de 1820 e 1830, mais conhecidas como Revoluções Liberais burguesas, ocorreram graças a uma aliança entre burguesia e proletariado lutando contra as forças conservadoras – aristocracia. Já as revoluções de 1848, apesar de intituladas também de Revoluções Liberais burguesas, marcou a luta entre burguesia, em aliança política e social com a aristocracia, contra o proletariado que nesse momento avança por meio do movimento operário em nome dos direitos sociais e políticos dos trabalhadores e de sua participação representativa no poder político do Estado. Convém lembrar que em 1848, Marx e Engels publicaram o “Manifesto Comunista” – livro este que se tornou o manual de instruções revolucionárias para o proletariado.
Considerando a segunda metade do século XIX, quando o movimento operário já era mais forte e autônomo – muitas organizações operárias de esquerda já eram realidades e travavam lutas contra a exploração capitalista. Organizações tais como centrais sindicais, Partidos Sociais-Democratas, associações mútuas de trabalhadores, as organizações anarco-sindicalistas, entre outras – foi fundado em 1864 a AIT – Associação Internacional dos Trabalhadores que contou com as presenças de Marx e do russo Mikail Bakunin (fundador do Anarquismo) entre outros intelectuais de esquerda – em Londres onde se realizou o encontro dos principais líderes do movimento operário. Nesse evento os líderes das classes operárias traçaram estratégias de como doutrinar o proletariado para que pudesse, de modo concreto, fazer a revolução superando a ordem burguesa, logo, a sociedade capitalista de produção.
Em 1871, surgiu na França a Comuna de Paris. Depois da derrota francesa perante as forças militares prussianas na Guerra Franco-Prussiana em que a França perdeu os territórios de Alsácia e Lorena, Napoleão-III (sobrinho de Napoleão Bonaparte-I), então Imperador do país, governava em favor dos interesses econômicos, políticos e sociais burgueses deixando de lado a situação de miséria da maioria da população e seus interesses prioritários. Durante a Guerra Franco-Prussiana, as províncias francesas elegeram para a Assembleia Nacional uma maioria de deputados monarquistas francamente favorável à capitulação ante a Prússia. A população de Paris, no entanto, opunha-se a essa política. Thiers, elevado à chefia do Gabinete conservador, tentou esmagar os insurretos. Estes, porém, com o apoio da Guarda Nacional, derrotaram as forças legalistas, obrigando os membros do governo a abandonar precipitadamente a capital francesa, onde o comitê central da Guarda Nacional passou a exercer sua autoridade. A Comuna de Paris - considerada a primeira República Proletária da história - adotou uma política de caráter socialista, baseada nos princípios da Primeira Internacional. Porém, o governo socialista dos chamados comunardos ou comunards teve uma efêmera (curta) duração e acabou ficando conhecida como o Grande Ensaio já que provara que uma revolução proletária era possível de ocorrer, desde que o proletariado estivesse pronto para isso e que um governo socialista também era possível de ser constituído.
Já no início do século XX, nas duas primeiras décadas (1900-1910 / 1910-1920) a corrente filosófica do marxismo contava com inúmeros adeptos espalhados pela Europa , pela América e em alguns outros cantos como na China, por exemplo. Os textos e livros deixados por Marx, como herança, serviam para estimular estudos, interpretações, reinterpretações e debates, assim como, servia para a militância dos grupos de esquerda em suas lutas contra o sistema capitalista tendo como palavra de ordem: a Revolução Operária – esta deveria ocorrer a qualquer custo nos diversos países capitalistas. Alguns líderes, ou intelectuais, marxistas mais atuantes no início do século XX eram: Lênin; Leon Trotsky; Karl Kaustsky; Rosa de Luxemburgo; Antônio Gramsci; Togliatti; Mao Tsé Tung; entre outros de peso, inclusive brasileiros (estes atuavam no Brasil, é claro). Devido as ações dos marxistas e das organizações de esquerda, entre estas a Segunda Internacional Operária, que o Socialismo Científico, ou o Marxismo tornou-se efetivamente uma corrente ideológica de oposição ao Capitalismo e seus modelos de acumulação e de exploração. Isto é, a partir do século XX, ser marxista significava ser adepto às ideias de Karl Marx, ser anticapitalista e ser a favor da luta operária em direção a tomada do poder do Estado pela revolução.
O Império Russo: o país antes da Revolução
Antes da revolução operária-campesina na Rússia, esta era um enorme Império. Há mais de 500 anos que a Rússia era governada por Czares (Imperadores), ou Czarinas (Imperatrizes) os quais possibilitaram, por meio de seus respectivos projetos, construírem um Império de dimensões territoriais gigantescas, com um Estado único (central) e com uma sociedade baseada nas relações de servidão, tendo uma classe aristocrática como governante, mandatária e com privilégios políticos, econômicos e sociais assegurados pelo poder do Estado Imperial. Pedro-III (também conhecido por Pedro, o Grande); Catarina-II (também conhecida por Catarina, a Grande); Paulo-I; Alexandre-I; Alexandre-II, Alexandre-III; Nicolau-II (este último era Imperador quando da Revolução em 1917), são apenas alguns dos Imperadores russos que fizeram da Rússia um grande Império. Palácios luxuosos – como o Palácio de Inverno na cidade São Petersburgo – palacetes; ambientes requintados; objetos de luxo; privilégios políticos e sociais em geral; e demais mordomias, criavam um enorme abismo econômico, político e social entre as elites aristocráticas (realeza e nobreza) e população em geral – formada por maioria de camponeses e população assalariada urbana. A servidão era uma das bases econômicas e sociais porque refletia as relações sociais de produção predominantes e estas eram as obrigações da massa campesina para com os nobres latifundiários. Economicamente a Rússia era um país agrário - isto é, de produção principal a agricultura – e latifundiário. Nas cidades, já no século XIX, haviam pequenas indústrias, mas de produção manufatureiro artesanal e não eram predominantes. A Rússia era muito atrasada em termos econômicos se comparada a outros países ocidentais industrializados, capitalistas.
O atraso econômico colocava a Rússia numa condição de país sem perspectivas de crescimento mesmo quando Alexandre-II iniciou reformas econômicas objetivando a modernização da sociedade russa por meio da industrialização, projeto este que sofria com resistências por parte de grupos aristocráticos dominantes que não desejavam perder seus privilégios. Já Alexandre-III estagnou com o projeto modernizador porque era um aliado das tradições e, logo, dos grupos d eelite contrários à modernização. O único projeto que na Rússia era bem sucedido, era o projeto expansionista. Os Czares direcionavam muito bem a expansão externa conquistando territórios o que fez do país um imenso Império. Na segunda metade do século XIX e início do século XX a Rússia era um país imperialista porque disputava territórios com o Império Austro-Húngaro – no caso, a região dos Balcãs – e com o Japão – em 1905 houve a guerra russo-japonesa pela disputa pelo norte da China, a regão de Xantung na Manchúria. Convém lembrar ainda que a Rússia participou da Primeira Guerra Mundial muito embora tenha saído derrotada em 1917 e em 1918 o novo governo Bolchevique assinou junto a Alemanha o Tratado de Brest-Litovsk – região da atual Polônia fundada no século XI que foi anexada à Rússia em 1975.
A Revolução Bolchevique
Tendo em vista os graves problemas econômicos, políticos e sociais que se aprofundavam na sociedade russa e mais a sua desastrosa participação na Primeira Guerra Mundial, a população foi se revoltando contra a tirania e os descasos do Imperador Nicolau-II e da elite aristocrática. Apesar de ignorar os problemas que atingiam a população russa, Nicolau-II deu importância a projetos modernizadores da sociedade estabelecendo contatos com países capitalistas ocidentais o que fazia parte do grande projeto externo do Estado russo: a expansão. Portanto, Nicolau-II procurou facilitar a entrada de capitais estrangeiros para promover a industrialização do país, principalmente somas de capitais da França, da Alemanha - as relações econômicas e financeiras com esta se estabeleceram antes da rivalidade posterior - da Inglaterra e da Bélgica, esse processo de industrialização ocorreu posteriormente à da maioria dos países da Europa Ocidental. O desenvolvimento capitalista russo foi ativado por medidas como o início da exportação do petróleo, a implantação de estradas de ferro e da indústria siderúrgica. Os investimentos industriais foram concentrados em centros urbanos populosos, como Moscovo, São Petersburgo, Odessa e Kiev. Nessas cidades, formou-se um operariado de aproximadamente 3 milhões de pessoas, que recebiam salários miseráveis e eram submetidas a jornadas de 12 a 16 horas diárias de trabalho, não recebiam alimentação e trabalhavam em locais imundos, sujeitos a doenças. Nessa dramática situação de exploração do operariado, as ideias socialistas (Socialismo Científico ou Marxismo) encontraram um campo fértil para o seu florescimento.
O Partido Operário Social-Democrata Russo (POSDR): com o desenvolvimento da industrialização e o maior relacionamento com a Europa Ocidental, a Rússia recebeu do exterior novas correntes políticas que se chocavam com o antiquado absolutismo do governo russo. Entre elas destacou-se a corrente inspirada no marxismo, que deu origem ao Partido Operário Social-Democrata Russo. O POSDR foi violentamente combatido pela Ochrana – Polícia de Estado do governo. Embora tenha sido desarticulado dentro da Rússia em 1898, voltou a organizar-se no exterior, tendo como líderes principais Gueorgui Plekhanov, Vladimir Ilyich Ulyanov - conhecido como Lênin - e Lev Bronstein - conhecido como Trotski.
A divisão do Partido: mencheviques e bolcheviques: em 1903, divergências quanto à forma de ação revolucionária (questão conceitual) levaram os membros do partido POSDR a se dividir em dois grupos básicos:
- os mencheviques: liderados por Martov, defendiam que os trabalhadores podiam conquistar o poder participando normalmente das atividades políticas. Acreditavam, ainda, que era preciso esperar o pleno desenvolvimento capitalista da Rússia e o desabrochar das suas contradições, para se dar início efetivo à ação revolucionária. Como esses membros tiveram menos votos em relação ao outro grupo, ficaram conhecidos como mencheviques, que significa minoria – socialistas brancos.
- os bolcheviques: liderados por Lênin, defendiam que os trabalhadores somente chegariam ao poder pela luta revolucionária. Pregavam a formação de uma ditadura do proletariado – o Socialismo segundo a tradição marxista ortodoxa, na qual também estivesse representada a classe camponesa. Como esse grupo obteve mais adeptos, ficou conhecido como bolchevique, que significa maioria – socialistas vermelhos. Trotsky, que inicialmente não se filiou a nenhuma das facções, aderiu aos bolcheviques mais tarde.
A Revolta de 1905: o ensaio para a revolução: em 1904, a Rússia, que desejava expandir-se para o oriente, entrou em guerra contra o Japão devido à posse da Manchúria,mas foi derrotada. A situação socio-econômica do país agravou-se e o regime político do czar Nicolau II foi abalado por uma série de revoltas, em 1905, envolvendo operários, camponeses, marinheiros - como a revolta no navio encouraçado Potemkin - e soldados do exército. Greves e protestos contra o regime absolutista do czar explodiram em diversas regiões da Rússia. Em São Petersburgo, foi criado um sovietes - conselhos operários constituídos dentro das fábricas e surgidos espontaneamente - para auxiliar na coordenação das várias greves e servir de palco de debate político. Diante do crescente clima de revolta, o Czar Nicolau II prometeu realizar, pelo Manifesto de Outubro, grandes reformas no país: estabeleceria um governo constitucional, dando fim ao absolutismo, e convocaria eleições gerais para o parlamento - a Duma - que elaboraria uma constituição para a Rússia. Os partidos de orientação liberal burguesa, como o Partido Constitucional Democrata ou Partido dos Cadetes, deram-se por satisfeitos com as promessas do Czar, deixando os operários excluídos. Terminada a guerra contra o Japão, o governo russo mobilizou as suas tropas especiais - cossacos - para reprimir os principais focos de revolta dos trabalhadores. Diversos líderes revolucionários foram presos, desmantelando-se o Soviete de São Petersburgo. Assumindo o comando da situação, Nicolau II deixou de lado as promessas liberais que tinha feito no Manifesto de Outubro. Apenas a Dumacontinuou funcionando, mas com poderes limitados e sob intimidação policial das forças do governo. A Revolução Russa de 1905, mais conhecida como "Domingo Sangrento", tinha sido derrotada por Nicolau II, mas serviu de lição para que os líderes revolucionários avaliassem seus erros e suas fraquezas e aprendessem a superá-los. Foi, segundo Lenin, um ensaio geral para a Revolução Russa de 1917.
A Revolução de Fevereiro e Outubro de 1917: o ano de 1917 foi definitivo para a Revolução Bolchevique. Foi neste ano que o processo revolucionário se radicalizou, porque a luta armada, envolvendo de um lado operários, soldados, marinheiros, desempregados – estes formando os imenso grupo dos sovietes, liderados pelos bolcheviques e apoiados pelos mencheviques, agindo nos centros urbanos e mais os camponeses – estes organizados em ligas campesinas que atuavam nas áreas rurais – e do outro, forças militares que apoiavam a Duma, foi travada ocorrendo a vitória dos bolcheviques os quais assumiram o poder político do Estado russo neste ano de 1917. Os dois momentos da revolução no ano de 1917 podem ser assim resumidos:
- A Revolução de Fevereiro de 1917 (março de 1917, pelo calendário ocidental), que derrubou a autocracia do Czar Nicolau II da Rússia, o último Czar a governar, e procurou estabelecer em seu lugar uma república de cunho liberal. Isto é, neste primeiro momento a vitória revolucionária era da Duma tendo a burguesia russa assumido o controle político do estado russo.
- A Revolução de Outubro (novembro de 1917, pelo calendário ocidental), na qual o Partido Bolchevique, liderado por Vladimir Lênin, derrubou o governo provisório da Duma e impôs o governo Socialista. Foi a partir deste novo modelo de Estado – o Estado Socialista – que os bolcheviques iniciaram a construção do Socialismo Real já que prevaleceu a ditadura, mas não do proletariado como previra Marx em suas teorias, e sim a ditadura do Partido Único – o Partido Comunista, que não admitia oposições políticas.
A década que se seguiu o ano da revolução de 1917, a década de 1920, foi de construção do governo socialista. No início da década de 1920, o pós-revolução conheceu as seguintes etapas: Comunismo de Guerra – 1917-1921; N.E.P. – Nova Política Econômica – 1921-1924; e a Era Stalinista (ou Stalinismo de Estado) – 1925-1954.