“Não que eu não fosse a pessoa que os amigos conheciam;
mas eu era também outra pessoa [...] realmente outra pessoa,
sendo essa pessoa secreta a verdadeira”(MICHAEL RYAN).
No entender de David Hume (apud DELEUZE, 2001, P.31), “somente quando um caráter é considerado em geral, sem referência ao nosso interesse particular, é que ele produz essa consciência e esse sentimento que permitem chamá-lo moralmente bom ou mal”. Porém, todo mundo, a priori, julga pela aparência, sim. De acordo com esse julgamento ou pensamento se aproxima ou se afasta do outro. O preconceito não está em julgar, mas na falta de oportunidade para que o outro, objeto do olhar crítico, intolerante ou enviesado, possa mostrar que é diferente, para melhor, da primeira impressão que corroborou para um determinado enquadre ou conclusiva. Porém, essa chance não terá a menor serventia se a ideia inicial não for desvencilhada ou neutralizada, ou, ainda, colocada em “banho Maria”. Caso contrário, não tardará, a partir de dados pouco seguros, mas providencialmente convenientes para forjar e confirmar a hipótese preconceituosa.
Muitos se afastam ou evitam negro, gay, pobre, mal encarado ou que passam uma energia ruim etc. Não é à toa a existência da dita sala VIP. A figura assim classificada não pode se misturar ou ficar, por exemplo, junta aos demais cidadãos em um saguão de aeroporto. Embora todos embarquem no mesmo avião, entretanto, a maioria faz parte da classe econômica, e as personalidades, uma minoria, se acomoda na classe executiva com mais espaço, conforto etc. O medo de se misturar (mixofobia), somente relaxa em situação de pânico, ou acaba em definitivo quando, obviamente, a aeronave cai. Somos socialmente preconceituosos, isso é uma construção. É preciso um esforço para fazer valer os seguintes conceitos: “não se deve julgar pela aparência”, “quem ver cara não vê coração”. Pessoas absolutamente ridículas se acham e se dão ao direito de criticar e discriminar, isso lhes proporciona a ilusão de poder. A grandeza de espírito está em compreender e aceitar as fraqueza e vulnerabilidade do outro, na condição de hóspede. Na ótica de Derrida (apud MATOS, 2006, p.65), “a hospitalidade é antecipadamente aberta a quem não é esperando nem convidado, a todo aquele que chega como visitante [...] e que não é nem identificável nem previsível”.
Embora, em alguns casos, julgar pela aparência salve de um bandido maltrapilho, quase sempre é surpreendente não discriminar o bandido elegante, bem vestido, porque espertamente ele subverteu essa lógica. Mas, enfim, é preciso maturidade, sensatez, tolerância1 para ir além da aparência, empenhar esforço racional e reflexivo para não se deixar eclipsar pela primeira e instantânea impressão. Esta que se convencionou como sendo a que mais marca ou fica, certamente porque cola na retina fotográfica das informações e registros estereotipados, subjacentes em quase todos os arquivos mentais. Portanto, deve se trabalhar a causa desse primeiro impacto, para que, por meio de uma análise superficial, não aprove ou condene um cartão postal ou de visita.
Segundo Reich (apud BOADELLA, 1992, p.113), “O caráter de uma pessoa é sua história congelada; quando o caráter se suaviza, a história derrete-se e torna-se novamente fluida; o passado deixa de ser uma armadilha em que as pessoas ficam presas”. Existem pessoas que, mesmo contando com um histórico de dor na sua biografia, passam um semblante saudável, a ponto de se indagar: “nem parece que esse ser humano sofreu tanto?!”. Outras, por vezes, jovens, bonitas, de boa condição socioeconômica, transparecem um azedume, traços perversos de boneco assassino, que causam certo desconforto, repugnância ou mal-estar. Outras, ainda, apesar de lindas, ricas e famosas, remetem à própria dor em pessoa.
Nesse último exemplo, a atriz Maitê Proença é quem melhor explicita essa condição, sua musculatura e expressões estão impregnadas de dores. Isso, de alguma maneira, perfeitamente compreensível pelos fatos trágicos ocorridos na sua vida, como me disse, com muito respeito, uma sua amiga: “a Maitê é uma sobrevivente”. Essa atriz parece que não conseguiu exorcizar sua dor por meio dos personagens que representa no cinema, teatro e TV, ou não se deu conta ou não conseguiu abrir mão desse pesado e doloroso passado. Carrega uma couraça, uma crosta que nem o sorriso consegue aplacar. Seu sorriso sugere uma tristeza profunda que exala d’alma. Ela tenta esquecer essa dor se danando pelo mundo, como se evidencia no seu livro Uma vida inventada... (2008); tentado se passar por anônima, por vezes até se arriscando na tentativa de aliviar ou deixar sua dor depositada nos picos das montanhas de países íngremes e longínquos. Na verdade, a Maitê é tão bela quando dolorida, e sua beleza não consegue maquiar ou disfarçar sua dor.
As pessoas belas, ou não tão belas, mas alegres, simpáticas, como dizem: “para cima”, despertem a vontade de ficar perto delas, pois, indiscutivelmente é difícil não se deixar arrebatar pelo bem-estar de sua energia. Tem um brilho no olhar que parece proveniente da vontade de viver ou, simplesmente, da felicidade de estarem vivas. Outras, de tão pesadas, frustradas, carregadas e “feias”, emanam uma energia densa, raivosa, típica de trabalhador em ônibus lotado. Não tem quem não seja negativamente tocado por essa atmosfera nublada, caso tenha que utilizar esse ou algum outro tipo de transporte público, em especial, no final do segundo expediente. O famoso “desodorante vencido” parece ser menos incômodo e ofensivo.
Traçando um paralelo com esses aspectos acima comentados, pode se observar que os três principais presidenciais não têm carisma ou simpatia2. Certamente, estão mais para zumbis, mortos vivos, que lembram o dito popular: “eles morreram, mas esqueceram de enterrá-los”. Tem cara de convalescentes ou doentes, dos seus semblantes não irradiam um mínimo de satisfação ou bem-estar, mesmo dando o desconto do desgaste de campanha. A Dilma, recauchutada, não consegue disfarçar seus sinais de feiúra (mais do que a carcaça, me parece que sua feiúra transparece de dentro), além dos seus gestos largos e meio masculinizados, boneca de ventríloquo, com falha de fabricação que escapou ao olhar vigilante do controle de qualidade; a Marina parece o tempo todo que está gastando, com sua voz, um tanto esganiçada, as suas últimas reservas de oxigênio dos seus pulmões. Será que é por isso que, politicamente correta, ela combate justamente o desmatamento? Por outro ângulo ela parece aquele tipo sobre o qual o senso comum diz: “essa menina é magra de ruim” ou “isso não morreu de ruim que é”. O Serra parece um membro da família Addams, meio papa defunto, cabeça de ET. Três figuras de aparência bem distante de qualquer referência de saúde. É obvio que isso não tem relação direta com a competência, com a lisura moral e a ética, mas, a julgar pelas máscaras bizarras, não teriam força e disposição para segurar as rédeas do gigantesco e violento Brasil, perturbado pelo eterno descaso e pelos péssimos exemplos de administração e emprego do dinheiro público. Como um desses presidenciáveis desmilinguidos conseguirá domar este dragão?
A premissa de que a mente sã implica em corpo são, seu contrário também deve verdadeiro. Quem tem, seja saúde física, seja saúde mental, em algum nível, deixa isso transparecer, não tem como camuflar ou esconder o que é força vital da natureza. A doença pode ser maquiada, uma fachada bonita pode esconder podridão ou ruínas. Não tem como se ater aos seus discursos, é sabido que, de antemão, não são verdadeiros, e muito menos que vão cumprir as propostas pelas quais, veementemente, tentam convencer. São discurso, meras retóricas, que não resultam em nada ou reforçam que estão comprometidos e que, assim, praticamente repetirão os mesmos vícios do poder: “garantir durante a gestão a engorda dos próprios bolsos”.
Portanto, resta apenas para a maior parte dos eleitores um esforço tremendo para vislumbrar, a partir de suas imagens e posturas, algum indício de verdade, autenticidade etc. Político, infelizmente, não passa por tempo de experiência para assumir o cargo. Assim, uma avaliação incorreta pode nos custa quatro anos bem caros. Os principais presidenciáveis inevitavelmente são objetos de críticas, bem como do reconhecimento de algum mérito. Mas, nenhum deles é confirmadamente um potencial intelectivo (se é que isso, no Brasil, resolve! Lembremos do FHC.F.CF.H), em relação ao qual a aparência não teria qualquer relevância.
Uma vez eleito, que um dos três “não feche a botina”, como fez Tancredo. O Lula apesar do passado de miséria cantado e usado em verso e prosa no apelo para se eleger, a língua pegada, a péssima dicção, e a paranóia de justificar os próprios erros e inadequações como produto das tramóias da oposição, demonstrava alguma energia, mesmo que de coronel do mato ou capataz. O próximo presidenciável caso não capriche na maquilagem para a foto oficial, isso, certamente, irá contradizer a imagem do bronze e frescor de um povo jovem - já nem tão - e feliz. Porque é isso que os turistas estrangeiros buscam, do contrário estará representando fielmente a verdade: o país do abismo entre as classes3, fruto da “esperteza” ou falta de ética na política, faz da base da sua pirâmide o lastro social da feiúra, repulsão, pavor e medo.
Finalmente, o que tem de novo nessa disputa presidencial diz respeito da concorrência em duas mulheres e um homem, ou seja, mesmo que o presidente do Brasil não venha a ser uma mulher, as mulheres, no campo do simbólico, já tiveram essa vitória, resultado do seu investimento que se processa havia tempo. A prova cabal de que a mulher, realmente, está conquistando espaços. Mas, nos demais aspectos, levando-se ou não em conta a beleza ou a feiúra, tudo continua a mesmice de sempre, mais uma vez o brasileiro é colocados diante do cesto com frutas estragadas: no qual terá de escolher entre elas a supostamente aproveitável.
Notas:
- Derrida (apud MATOS, 2006, p.65) entende que “a tolerância encontra-se do lado da ‘razão do mais forte’, que é uma marca suplementar de soberania [...] que, do alto, significa ao outro: eu te deixo viver, não me és insuportável, eu te ofereço um lugar [...]. Eu te acolho com a condição que te adaptes às leis e normas de meu território, segundo minha língua, minha tradição e memória”.
- Embora Deleuze (2001, p.31), diga que “há um paradoxo da simpatia: ela nos abre uma amplidão moral, uma generalidade, mas essa própria amplidão é sem extensão, essa generalidade é sem quantidade”.
- Como diz Granham (apud BAUMAN, 2009, p.25), “... pessoas fisicamente vizinhas, mas social e economicamente distantes”.
Referências
BAUMAN, Z. Confiança e medo na cidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2009.
BOADELLA, D. Correntes da vida: uma introdução à biossíntese. São Paulo: Summus, 1992.
DELEUZE, G. Empirismo e subjetividade: ensaio sobre a natureza humana segundo Hume. São Paulo: Ed. 34, 2001.
MATOS, O. Discretas esperanças. São Paulo: Nova Alexandria, 2006.
PROENÇA, M. Uma vida inventada: memórias trocadas e outras histórias. 2 ed. Rio de Janeiro: Agir, 2008.