A culpa de o pastor Terry Jones ter ameaçado queimar uma cópia do Alcorão é de Tom e Jerry, de Piu-Piu e Frajola, de He-man e Esqueleto, de Superman e Lex Luthor, enfim de todos os desenhos e filmes de nossa infância que reforçaram a ideia de um mundo maniqueísta, dividido entre o bem e o mal, sendo o bem sempre nós mesmos e nossa forma de ver o mundo e o mal os outros, o diferente e incompreensível outro.
Certamente que o pastor Jones não representa o pensamento da maioria dos evangélicos americanos, descendentes dos fundadores daquele país, que ao fugirem da Inglaterra para ter liberdade de culto, desenvolveram uma nação democrática, tanto que estão prestes a liberar a construção de uma mesquita nas proximidades do local dos ataques de 2001 ao World Trade Center, pois entendem que aquele ataque não foi planejado e executado pela comunidade mulçumana internacional, mas por um grupo radical que se equivoca profundamente na leitura do conceito de Jihad (empenho pessoal na conquista da fé) e levantando a bandeira de uma guerra santa.
A diferença entre o pastor Jones e um radical islâmico é nenhuma, pois todos dois acham que estão do lado do bem e que o outro é a representação viva do mal. Os radicais islâmicos ou cristãos são minorias em ambas as sociedades, mas são ruidosos em suas ações. Pode-se alegar, é bem verdade, que o pastor Terry Jones não matou ninguém, ao contrário dos seguidores de Osama Bim Laden, mas está em jogo muito mais do que um simples comportamento patético do pastor Jones. Historicamente, e falo das cruzadas da idade média, os cristãos mataram muito mais os mulçumanos do que o contrário, de forma que existe uma dívida histórica ainda não sanada que alimenta um ódio latente sempre pronto a eclodir, ainda mais quando, numa atitude transloucada, alguém ameaça queimar uma cópia do livro sagrado de uma religião.
Terry Jones desistiu, mas insuflou outros fanáticos americanos a desrespeitar o Alcorão. A única coisa que se conseguiu com esses gestos foi fornecer combustível ideológico aos radicais islâmicos que agora têm imagens claras do Alcorão sendo queimado ou rasgado em várias partes dos Estados Unidos, o que irá reforçar a ideia de que a América, e por extensão todo o mundo cristão ocidental, são contra o islã.
As repercussões a um gesto como esse são imprevisíveis, ainda mais agora com a saída do exército americano da infeliz invasão do Iraque. Do barril de pólvora em que está se transformando o Paquistão, um país mulçumano que, é bom lembrar, possui armas nucleares. Fustigar os radicais islâmicos é, no mínimo, contraproducente. Basta lembra as reações às charges feitas por cartunistas da Dinamarca a Maomé, quando o mundo islâmico explodiu em revolta.
É claro que a solução para isso está longe de iniciativas simplistas e de uma análise superficial do potencial conflito por trás deste gesto intolerante, já que o comportamento do pastor Terry Jones é tão imprevisível quanto às reações dos radicais islâmicos.
A bem da verdade o Terry Jones se coloca como o representante do que se chama de América profunda, aqueles cidadãos arraigados aos valores mais tradicionais, que estão confusos com as novas configurações que o mundo está tomando, onde as fronteiras de moderados e radicais se apagam, e o mundo mulçumano se aproxima, na visão destes tradicionalistas, perigosamente da América. O próprio presidente Barack Hussein Obama, um descendente de mulçumano, é um representante dessa nova realidade, inesperada e temida.
A discussão sobre tolerância se aplica a todos os que têm uma visão secular do mundo, mas não para os radicais religiosos, sejam estes cristãos ou mulçumanos, visto que para eles não existe tolerância nenhuma, e isto é o que assusta.
Depois de um governo George W. Bush extremamente desastroso em sua política externa, especialmente com o mundo mulçumano, Obama pareceu querer construir uma nova imagem da América, quando permitiu a construção da mesquita próxima ao local do atentado em Nova York, para acalmar a fúria dos radicais islâmicos. Ele se esqueceu de combinar com radicais cristãos, por que, afinal de contas o mundo não é preto e branco, ou simples como o mundo de Tom e Jerry, o bom e o mal estão em toda parte, inclusive no nosso quintal.
Como palestrante atua nas áreas de recursos humanos, motivacional, liderança, perspectivas da educação, relações interpessoais, desenvolvimento emocional, gestão de pessoas, serviço público, cultura de paz, entre outros.