Para reforçar nossa estimativa sobre o haikai como objeto de estudo em sala de aula, contamos com a colaboração de alguns especialistas no assunto, que deram suas opiniões para contribuir diretamente com este trabalho. A abordagem foi a respeito do haikai como objeto de estudo em sala de aula, sua metodologia e didática de ensino, ou seja, o porquê ensinar e como ensinar. Extraímos da Revista de Haicai Caqui opiniões de outros especialistas no assunto.
O Haikai em sala de aula segundo a apinião de Rosa Clement
Para CLEMENT (2007), ensinar o haikai para crianças ou jovens é uma ideia inovadora que vale a pena introduzir como um tema cultural adicional, mas que exige um grande esforço tanto da parte de quem ensina como de quem aprende. O primeiro desafio, diz ela, é explicar por que os alunos deveriam se interessar por um conceito de poesia que pertence a uma cultura com a qual temos pouco envolvimento, como a cultura japonesa. Vencido esse obstáculo, ensinar o haikai pode ter várias finalidades tanto dentro como fora da sala de aula.
CLEMENT (2007) acrescenta ainda que o haikai já é importante só pelo fato de permitir uma interação do aluno com a natureza, nessa época de aquecimento global. Ao manter o foco em uma cena da paisagem, o aluno aprende a observá-la, admirá-la, amá-la e explorá-la para dela tirar a essência e um momento de reflexão. Além disso, permite ao aluno usar todos os seus sentidos de forma mais apurada e o estimula a compartilhar suas experiências e percepções com as pessoas ao seu redor.
CLEMENT (2007) afirma que transmitir os ensinamentos do haikai é uma tarefa que exige muita paciência e disciplina. Com base nos métodos “Teaching Haiku in Schools" de Jane Reichhold e "A Lesson Plan that Works" de Penny Harter (ambas são mestras e estudiosas americanas do haikai), ela sugere que, algumas semanas antes de iniciar a aprendizagem sobre haikai, é interessante que o professor escreva um haikai todos os dias no canto da lousa. Este deve permanecer nesse lugar por algum tempo para despertar a curiosidade das crianças e incentivar à reflexão sobre a imagem. A escolha do haikai é uma parte importante, acrescenta. Este deve, de preferência, indicar uma estação do ano para que possa ser comentado posteriormente.
Rosa explica que o professor precisa ensinar como ler o haikai. Algumas vezes, a sua leitura com inflexões e gestos é bastante para o esforço da realização aparecer. Outras vezes, contar uma história sobre o haikai, incluindo o que está nas entrelinhas, pode ajudar bastante. Seja como for, o poema deve ser lido devagar, concentrado na enunciação, nas pausas para quebras de linhas, tudo de forma natural. É uma boa ideia pedir aos alunos para escutar, desfrutar das palavras, usar a imaginação. O professor deve informar que um haikai é todo feito de imagens, que são essas imagens que criam as emoções que eles sentiram durante a leitura do poema.
A haicaísta diz ainda que convém também ao professor mostrar que o poema é escrito em dezessete sílabas, é sobre a natureza, mas que no ocidente essas regras são mais flexíveis, ou seja, um haikai pode ser escrito em até dezessete sílabas, em três linhas, sendo a primeira linha curta, a segunda longa e a última curta como a primeira. Também não é necessário limitar o assunto somente à natureza, pois o uso de imagens percebidas pelos demais sentidos também faz parte da natureza. Adicionalmente, o professor deve informar sobre a origem do haikai (Japão, haikai-no-renga, renga, hokku (aqui e agora)), que o haikai clássico japonês possui um kigo, ou palavra da estação e dar exemplos.
Outra dica de CLEMENT (2007) é a de instruir o estudante a não centralizar o haikai em si mesmo, mas na ação que ele está observando. Por exemplo, em lugar de dizer: "meu chapéu voou/eu corro atrás dele/ pela rua", poderia dizer: "ventos de março/meu chapéu rola/pela rua". Explicar por que o poema em questão é um haikai. Para aqueles alunos que têm dificuldade de começar seu poema, o professor pode dar a primeira linha para ajudá-los a prosseguir. Pode ser algo referente à estação como: "fim do verão", "queda das folhas", "chuva de primavera" e assim por diante. Se um aluno não consegue nenhuma linha, o professor pode fornecer as duas primeiras linhas de um haikai e convidar o aluno a escrever a terceira linha.
CLEMENT (2007) acrescenta também que é importante que o professor seja gentil e aceite as tentativas do haikai dos estudantes e os encoraje a tentar novos caminhos até que eles se sintam confortáveis com o método. O professor deve evitar o excesso de entusiasmo em querer promover de imediato algum tipo de concurso ou comparar resultados. É uma boa ideia substituir a seleção de haikais escritos na lousa, como já mencionado no início dessa entrevista, por haikais escritos pelos alunos para valorizar tanto suas experiências como seus poemas. Outros meios de publicação, como antologias, cartões, camisetas, exposições e assim por diante podem ser usados para estimular o interesse do aluno pelo haikai. Além da lousa ou quadro negro, podem ser usados o projetor, slides, fotos, etc. Tudo depende da imaginação do professor, conclui CLEMENT (2007).
Perguntamos à CLEMENT (2007) sobre se o poeta nasce da inspiração e ela respondeu que todos nós nascemos com um poeta dentro de nós, conforme Ezra Pound, fazer esse poeta aparecer depende dos interesses e habilidade de cada um. Uma vez que o poeta se revela, é natural que queira expandir seus horizontes, conhecer novas formas de poesia, inclusive de outras culturas. No entanto, diz, nem todo poeta desenvolve um interesse mais profundo por uma forma de arte que não faz parte de seu cotidiano. Assim, ter um interesse por haikai é principalmente uma questão de afinidade.
Para CLEMENT, há três tipos de poetas: os que praticam apenas a poesia corrente; os que praticam essa poesia corrente e também o haikai; os que praticam apenas o haikai. Assim, nem todo poeta, experiente ou não, é um haijin, ou por não conhecer o haikai, ou por não possuir um interesse pela forma. Tampouco isso é uma obrigação.
Para se tornar um haijin, acrescenta, é preciso criar algum tipo de elo com o haikai através de informações prévias e aceitação de suas regras. Para ela, a persistência é um requerimento imprescindível, o haicaísta nasce quando ele se identifica com a forma e quer explorá-la mais profundamente. Esse desafio exige tempo, compreensão de conceitos estranhos à literatura ocidental, disciplina e criatividade. Afirma que muitos começam, mas desistem na metade do caminho por perderem o interesse ou porque a novidade passou.
CLEMENT (2007) também diz que, conforme Blyth, são treze as características do estado da mente necessárias para um haijin: 1. Abnegação; 2. Solidão; 3. Aceitação de gratidão; 4. Brevidade; 5. Não-intelectualidade; 6. Não-contraditoriedade; 7. Humor; 8. Liberdade; 9. Não-moralidade; 10. Simplicidade; 11. Materialidade; 12. Amor; 13. Coragem. Acrescenta que o uso dessas características não é requerimento para o poeta comum e isso pode limitar o número de haicaístas que perseguem a forma.
Diz ainda que escrever um poema não é mais fácil que escrever um haikai. Cada um possui seu conjunto de regras. Mesmo assim, o número de poetas hoje ainda é bem maior do que o de haijins. Contudo, a prática do haikai está se espalhando cada vez mais rapidamente. O haikai aparece em plena expansão na Internet, no radio e está começando a ganhar espaço não somente nas escolas, mas também nas universidades. Tal como a poesia comum, cumpre sua função social enquanto planta sua semente para um bosque de futuros haijins, conclui.
O Haikai em sala de aula segundo a opinião de José Marins
Na opinião de MARINS (2007) sobre o assunto, diz o haicaísta que o haikai contém em sua forma, ou melhor, em seu formulário tudo que precisamos para aprender poesia. Acrescenta que fazer um poema nos moldes de um haikai implica em um aprendizado que envolve os elementos básicos de um poeta: vivência, percepção, observação treinada, conhecimento da sintaxe poética (métrica, ritmo, algumas figuras de linguagem, etc.), o apuro da linguagem e ao mesmo tempo manter também a simplicidade, a pureza do momento do haikai captado, ou seja, sem intelectualizar, sem tornar mental ou sentimental demais.
MARINS (2007) afirma com toda segurança que existe uma educação pelo haikai. E essa educação vai além da didática pura e simples, da prática do poema e do saber realizá-lo. Diz que com o fato de que por ser o haikai uma poesia ligada às estações do ano, à natureza e a vivências humanas, pode-se dizer que é uma poesia ecológica, ligada radicalmente ao meio-ambiente, à sua contemplação, aos seus movimentos sazonais.
Diz ainda que uma didática do haikai na escola deve começar com um passeio com os alunos e o professor para que exista de fato um contato deles com a natureza, a oportunidade da observação, do registro das cenas, da escolha dos detalhes. Depois disso, continua MARINS, praticar o haikai como poema, resgatar as cenas vivenciadas pela sensibilidade poética de cada aluno, buscar a espontaneidade do registro na percepção, na memória, do momento do haikai.
Outro detalhe, diz MARINS, é verificar que kigo se está trabalhando. Em seguida, acrescenta, é só ir com calma, ensinando o uso da métrica 5-7-5 sílabas poéticas. A apresentação dos trabalhos entre os parceiros é parte da didática. Receber o apreço e a colaboração dos colegas é outro aspecto indispensável na prática do haikai. Assim era feito antigamente, já no tempo do mestre Basho. Lembrando sempre de valorizar o poema e não a pessoa do poeta. Não se incentiva a vaidade na prática haicaística.
A respeito da questão se o poeta nasce da inspiração ou se há um processo para que ele se torne um, MARINS (2007) disse que inspiração é algo aprendido. Ele não crê nessa história de nascer-se poeta. Para ele, o poeta se faz em suas buscas, pode haver uma tendência para a poesia, como um traço da personalidade do sujeito que ele terá que desenvolver. A sensibilidade, por exemplo, pode ficar lá dormindo no fundo do inconsciente, até que surge o momento de expressar-se, levando-se em conta o ambiente da pessoa.
MARINS diz que a inspiração do haicaísta vem do contato com a natureza sempre, sua principal fonte de vivências, então, primeiro vem a vivência junto à natureza. Se uma pessoa nunca viu uma cerejeira em flor, como fazer um poema a respeito dela? Já aconteceu a ele, muitas vezes ter uma vivência (seja visual, auditiva, sensorial sempre) e "receber" o haikai pronto. Mas é provável que isso, no haikai, seja a percepção treinada e não inspiração. Ele Diz ainda que talvez a inspiração venha a colaborar no uso da palavra poética que vai realizar o poema haikai.
MARINS relatou que conhece um professor que até já deu curso de haikai e que conhece sobre o assunto, mas nunca escreveu um único poemeto, alegando que não consegue fazê-lo. Bloqueia-se com uma visão pessimista de que só poderia fazer haikai se conhecesse a língua japonesa. Para MARINS, isso é um grande erro, pois crê muito mais na simultaneidade, que é o aprendizado e que ele preza muito.
Ele justifica que só se aprende a fazer haikais fazendo haikais. Essa condição de se estudar antes para depois praticar é ilusória, acrescenta. Ensaio é erro e acerto, esse é o caminho de um haijin, arremata.
Hoje em dia, MARINS diz que faz um haikai mais seu, seu estilo, sua marca, mas que foi uma longa caminhada, e mesmo assim ainda acha tem que aprender muito mais ainda. Vive sonhando com o dia em que vai se encontrar com os haikais de Onitsura, que considera um grande mestre e que só pôde ler alguns dos haikais dele.
MARINS comenta que entre os japoneses ocorre algo interessante: muitos passam a vida inteira sem ter feito um único haikai (apenas lido), então, chegam à velhice e partem para o haikai com uma sede enorme e fazem milhares deles. “Dizem que fazer haikai na velhice ajuda a manter o cérebro funcionando direito! Pelo menos para mim o haikai endireita o poeta. Traz-me de volta à realidade, ao estado de alerta da mente zen”, finaliza.
O Haikai em sala de aula na opinião de William Higginson e Teruko Oda
Na Revista de haicai Caqui (2002), no ensaio “Ao professor”, há algumas perguntas feitas a William Higginson, autor de “The Haiku Handbook sobre o porquê ensinar o haikai às crianças. O escritor responde que o haikai nasce da experiência do poeta, através da observação da natureza no dia a dia. Diz também que como o haikai não utiliza a metáfora, é mais fácil de ser entendido, ficando livre de interpretações esotéricas, pois a natureza do haikai é infantil, por ver as coisas como elas são. Higginson acrescenta ainda que as crianças, quando estimuladas pelos orientadores, encontram seu próprio entendimento dos haikais, da mesma forma que aprendem a encontrar seu próprio entendimento de mundo, implicando mais em uma observação atenta do que em um conhecimento esotérico.
No mesmo artigo (id.), a professora Teruko Oda dá algumas dicas de como ensinar o haikai. Primeiro, levar as crianças para passear em algum ambiente em que elas possam observar a natureza e pedir-lhes que observem com atenção tudo em volta. Depois do passeio, fazer uma roda e pedir às crianças que descrevam em três linhas, tudo que chamou a atenção delas. Deve-se, então, refinar as descrições, deixar apenas o que é essencial e assim transformar essas linhas em três versos de um haikai.
Teruko (id.) acrescenta que para alcançar a concisão no poema, é preciso insistir na simplicidade, na escolha de um tema que seja importante para a criança e inicialmente não se prender à métrica, porém sugerir uma aproximação do esquema 5-7-5.
Quanto a ensinar a teoria e a história do haikai, Oda (Id.) diz que as crianças não suportam explicações teóricas. Deve haver objetividade por parte do professor a partir da prática, deve haver também direcionamento para experiências objetivas e sensações físicas. Por isso, é importante que haja o passeio, pois dessa forma foge-se de explicações e racionalizações.
Referências:
CLEMENT, Rosa. Entrevista eletrônica concedida a Alvaro Mariel Posselt. Curitiba, 14 e 28 mai. 2007 e 22 jun. 2007.
MARINS, José. Entrevista eletrônica concedida a Alvaro Mariel Posselt. Curitiba, 29 abr. 2007.
Caqui – Revista Brasileira de Haicai. Artigo “Ao professor”, em O que é haicai, de 24/08/02. São Paulo, 2002. Disponível em http://www.kakinet.com/caqui/nyumon40.htm. Acesso em 21 mar. 2007.
Obs- Este texto foi extraído do TCC “O HAIKAI EM SALA DE AULA”, de Alvaro Mariel Posselt, Universidade Tuiuti do Paraná. Curitiba, junho de 2007.