I- O Autor:
Nasceu em Baturité, Ceará, em 1842. Formou-se em Direito na Faculdade do Recife, em 1863.
Foi nomeado oficial da Secretária do Império e projetou-se na vida literária.
Envolveu-se na célebre polêmica sobre 'A Confederação dos Tamoios', opondo-se a Alencar com as 'Cartas a Cincinato'. Faleceu no Rio de janeiro, em 1888.
É o mais modesto de nossos romancistas românticos. Lutou pela criação da 'Literatura do Norte', tornando-se um dos fundadores do nosso regionalismo. Fixa, no prefácio de seu livro O Cabeleira, a síntese dessa tendência literária e cria, com perfeição, os tipos e figuras características do Norte.
II- Obra:
O romance não se ocupa apenas de pura ficção, conta a vida de José Gomes, O Cabeleira, cujo pai, Joaquim Gomes, foi um temeroso bandido. Pai e filho, associados a outro delinquente, Teodósio, roubam e matam sem dó nem piedade. As populações paupérrimas, com o pouco que tinham, eram forçadas a lhes dar alimento, dinheiro e sangue. O grupo decide assaltar a vila de Recife e a população, sabendo que os bandidos se aproximam, trata de fugir para o mato. Os que não têm para onde ir, oferecem aos criminosos hospedagem.
Cabeleira, nessa época, tinha vinte e dois anos. Seus comparsas vão armados de facas, bacamartes e pistolas em direção à vila de Recife. Mais experiente, Teodósio é o primeiro a entrar no lugarejo, marcando a ingazeira da ponte, como local de encontro. A vila era pouco desenvolvida, por isso os esparsos moradores trancam-se cedo em suas casas, temendo roubos e assassinatos tão comuns na região.
Pai e filho chegam ao bairro da Boa Vista ao anoitecer. Como não sabiam que os habitantes, por ordem do governador, deviam colocar luminárias em suas casas, festejando a abolição dos jesuítas, ficam alarmados, pensando que serão descobertos. Mas logo se encontram com Teodósio, que rema uma canoa. Era 1º de dezembro de 1773. O povo festejava, passeando pela ponte iluminada de Recife, quando um deles reconhece o Cabeleira e se põe a gritar. A multidão começa a se dispersar desordenadamente, gritando, atropelando-se.
Os dois malfeitores apanham suas facas, o Cabeleira grita que chegou e vem acompanhado do pai que, sem pestanejar, dá com o facão sobre a cabeça de um passante, espirrando sangue no rosto do matador. O filho não entende porque o pai fez aquilo, mas o degenerado e infeliz lhe diz que ali são mal-queridos e, portanto, é preciso fazer o trabalho bem feito. Incentivado, Cabeleira sai ferindo a torto e a direito.
Os soldados da infantaria chegam e o povo preso na ponte, não tendo para onde fugir, lança-se às águas e logo os malfeitores, também, encurralados, fazem o mesmo. Um dos soldados é atingido pela vara de um canoeiro e desce correnteza abaixo. Teodósio foi quem o assassinou, enquanto buscava os comparsas. Em breve, estão todos na canoa com as armas na mão. Joaquim e o filho se encontravam na ponte para dar cobertura a Teodósio, que estava assaltando um armazém. Com a confusão, o velho assaltante teve tempo de praticar o furto desejado e, ainda, salvar os dois amigos, lançados à escuridão do Rio Capibaribe.
A violência do Cabeleira é incentivada pelo pai desde tenra idade. Aos 16 anos o menino demonstra extrema crueldade. Nessa época, mata de forma violenta Chica, uma mameluca, companheira de Timóteo, dono de uma venda de artigos roubados.
Chica, enfurecida, porque o cavalo do rapaz estava comendo sua horta, dá uma forte pancada no animal que sai correndo desabaladamente. Não contente, a mulher passa a dirigir insultos ao bandido, e este de raiva lhe dá uma surra tão grande que ela acaba falecendo. Sua valentia fica sendo conhecida por todos, pois nesse mesmo dia, tinha feito um roubo, assassinado um comerciante e deixado, quase mortos, dois soldados.
Timóteo jamais brigou com o malfeitor, pois o temia. Seu estabelecimento passa a ponto de encontro e venda dos produtos de roubo do trio. Nessa taberna, na ponte dos Alagados, escondem-se os três, após a confusão na vila de Recife. Mas, logo são sobressaltados pelo semblante desfigurado de Teodósio, que descobre ter deixado o dinheiro roubado no camarote da canoa que tinha desaparecido. Notam que dois meninos retornam com ela. Gritam para eles, mas os garotos, amedrontados, abandonam o barco, carregado pela correnteza, e se põem a correr. Cabeleira, pensa no dinheiro e atira certeiramente nas costas de um deles, mata o segundo a tiros, enquanto, sorrateiramente, Teodósio oculta de seus comparsas o fruto do roubo.
Segundo a tradição, o Cabeleira tinha boa índole, herdada da mãe, a fraca Joana. Na infância, Joaquim ensina ao filho a matar os animaizinhos, entregando-lhe uma pequena faca para ser usada contra todos aqueles que o provocassem: fosse velho, moço, mulher ou criança. A mãe se esforça para colocar o menino no caminho do bem e amor ao próximo. O marido decide partir levando a criança. Cabeleira fica abatido com a notícia, mas despede-se da querida amiga de infância, Luisinha, prometendo-lhe, quando voltar, não fazer mal a mais ninguém.
Luisinha era uma órfã, criada pela viúva Florinda. A menina vai crescendo, ao mesmo tempo em que a fama do Cabeleira e do pai se fortalece. A cada novo terror, ela sente-se triste e angustiada, recordando a imagem do antigo amigo. Até que, ao fim de uma tarde, quando vai buscar água, se encontra com o Cabeleira, que mata Florinda, quando esta vem em defesa de Luisinha. O bandido, não reconhecendo a moça, pretende levá-la consigo. Ela se apresenta e ele a liberta, dizendo que logo retornará para uma conversa.
Liberato, um proprietário de terras, arrasadas pelos bandidos, reúne-se com outros moradores queixosos e propõe atacarem o bando do Cabeleira, mas os homens se negam. Liberato não desiste e acompanhado de seus dois filhos, Ricardo e Sebastião, mais o genro, Vicente, parte à caça dos malfeitores. Um de seus vizinhos conta o plano ao bando. Ao chegarem à clareira dos malfeitores, estes já os esperam e os liquidam.
Dias mais tarde, quando o velho índio, Matias, conhecedor das matas, vai em busca do grupo, encontra seus corpos. Retorna à casa do morto acompanhado pelo pai do Cabeleira que, a qualquer custo, deseja entrar onde se encontram as mulheres, esperando por seus familiares. Luísa, também, aí está, assistindo Florinda a expirar, após tê-la encontrado ainda com vida. Matias é morto avisando às mulheres sobre o ocorrido e sobre a presença dos bandidos.
As cinco mulheres entram em pânico, enquanto Joaquim esmurra a porta, gritando para que elas saíssem. Percebendo que vão atear fogo a casa, elas decidem ficar.
Morrem no incêndio, mas Luísa sai, carregando às costas a morta Florinda. Joaquim quer a moça para si, mas o filho enfrenta ferozmente o pai que decide perdoar seu desafio, enquanto o bando evita os policiais. Cabeleira abraça e beija ternamente Luisinha, fugindo com ela para a mata.
Timóteo, forçado pelos policiais, leva-os até o esconderijo do bando, deixando o Cabeleira e Luísa nas matas. As milícias volantes cercam a região da província de Alagoas até a Paraíba, prendendo todos os ladrões, malfeitores e aterrorizadores das populações há anos, inclusive Joaquim e Teodósio. Entretanto, o povo ainda se sente ameaçado, porque o Cabeleira está livre.
O bandido busca água e comida para a amada que o impede de matar as pessoas que cruzam seu caminho. O malfeitor deseja agradá-la , por isso joga fora o bacamarte e a faca como prova de que jamais fará mal a ninguém, reza e se arrepende de todo o mal causado. Uma manhã, ao despertar, encontra a companheira morta, vítima de queimaduras no peito, por tentar salvar Florinda, de febre e da longa caminhada.
Estupefato, o malfeitor descobre a ferida oculta com um lencinho, doido de dor, chora amargamente.
Cabeleira ouve uma corneta e percebendo que a milícia está em seu encalço, embrenha-se mata a dentro, largando o corpo de Luísa para trás. Marcolino, um dos moradores, leva os soldados para o mato, mas não consegue localizar o bandido.
Desapontado, resolve agir por conta própria; decidido a caçar o delinquente a qualquer custo. Vai na direção de Pau D' alho, quando avista o malfeitor penetrando no canavial. Este já sabe que está cercado e a saída controlada. O cerco dura quase três dias, quando, finalmente, se entrega ao chefe, o capitão-mor Cristóvão de Holanda Cavalcanti, que lhe dando voz de prisão, leva-o para sua casa, antes de encaminhá-lo à prisão mais segura, em Recife.
A esposa do capitão-mor fica comovida com a dor e a música que saem da viola do Cabeleira e implora ao marido para deixar escapar a vítima da violência paterna. Mas Cristóvão de Holanda cumpre seu dever. Decorrido um mês, O Largo das Cinco Pontas, em Recife, ostenta a forca que fará justiça. Joana, a mãe do Cabeleira, implora para vê-lo, mas não lhe permitem. Vai para a praça aguardar o filho e chorar sua dor. Ele aparece pálido e diz arrepender-se do que fez, despede-se, dando adeus à mãe, que morre do coração entre as mulheres da praça.
A morte dos bandidos não inibe a manifestação de outros malfeitores. O narrador pergunta: 'De que serviu pois a provisão régia?'. E, acrescenta: ' a pena de morte, que as idades e as luzes têm demonstrado não ser mais que um crime jurídico, de feito não corrige, nem moraliza'. Atribui aos crimes cometidos por Cabeleira à pobreza e ignorância, reclamando da sociedade o dever de dar a educação a todos e de organizar o trabalho. Aproveita, também, para defender os escravos que, levados pelos açoites e condição servil, matam seu senhor por serem vítimas da pobreza e degradação social.