[Luís Carlos Martins Pena]

I- Autor:

Luís Carlos Martins Pena nasceu no Rio de Janeiro, em 1815, e faleceu, tuberculoso, em Lisboa, em 1848. Frequentou as aulas da Academia de Belas Artes, seguiu a carreira diplomática, mas se realizou como comediógrafo. É o criador da comédia nacional com 'O Juiz de Paz na Roça', encenada por João Caetano, no ano de 1838.
Em suas peças, retrata a viva realidade social e doméstica, da cidade e do campo da primeira de do século.
Escreveu inúmeras comédias e dramas históricos. Dentre eles, destacamos: 'A Família e a Festa na Roça', 'O Judas em Sábado de Aleluia', 'O Noviço', 'Quem casa quer casa', 'A Barriga do Meu Tio' [comédias]; 'Dona Leonor Teles', Vitiza ou O Nero da Espanha' [dramas históricos].
Martins Pena é o principal dramaturgo brasileiro do século XIX. Está inserido no contexto do Romantismo, mas, como Manuel Antônio de Almeida, destaca-se por apresentar um quadro caricatural da sociedade carioca, examinando com humor e ironia seus hábitos e costumes.

II- Obra:
A peça em questão é de ato único e se passa no ano de 1842 no Rio de Janeiro.
A trama, conforme a síntese do prof. Marlon Almeida, gira em torno de Clemência e Mariquinha [respectivamente mãe e filha] e dos pretendentes da filha: um negociante de escravos [Negreiro], um especulador de inventos inúteis - como a máquina que transforma boi em carne e sapato...- [o inglês Gainer] e o primo de Mariquinha [ o também pretendente Felício].
Na cena inicial está Negreiro a considerar a necessidade de se contar com juízes de 'bom senso' na hora de negociar a entrada ilegal de navios negreiros no país; para Negreiro, o juiz em agindo com honestidade 'fica na conta de pobre'. Seus interlocutores são Felício e Clemência:

Negreiro - [...] e os negrinhos vão para um depósito, a fim de serem depois distribuídos por aqueles de quem mais se depende. Ou que têm maiores empenhos.
Felício - Tem razão! [passeia pela sala]
Negreiro, para Clemência - Daqui a alguns anos mais falará de outro modo.

Na cena seguinte, a conversa é entre Felício e Mariquinha:

Felício - Ouviste, prima, como pensa este homem com quem tua mãe pretende casar-te?
Mariquinha - Casar-me com ele? Oh, não, morrerei antes!
Felício - No entanto é um casamento vantajoso. Ele é imensamente rico... atropelando as leis, é verdade; mas que importa? Quando fores sua mulher...
Mariquinha - E é você quem me diz isso? Quem me faz essa injustiça? Assim são os homens, sempre ingratos!
Felício - Meu amor, perdoa. O temor de perder-te faz-me injusto. Bem sabes quanto eu ter adoro; mas és rica, e eu um pobre empregado público; e tua mãe jamais consentirá no nosso casamento, pois supõe fazer-te feliz dando-te um marido rico.

Felício, para afastar os dois pretendentes, promove uma intriga entre eles - como na cena VII.

Felício - Estou admirado! Excelente ideia! Bela e admirável máquina [...] Deve dar muito interesse.
Gainer - Muita interesse o fabricante. Quando este máquina tiver acabada, não precisa mais de cozinheiro, de sapateira e de outras muitas ofícias.
Felício - Então esta máquina supre todos estes ofícios?
Gainer - Oh, sim! Eu bota a máquina aqui no meio da sala, manda vir um boi, bota a boi na buraco da maquine e depois de meia hora sai por outra banda da maquine tudo já feita.
Felício - Mas explique-me bem isso.
Gainer - Olha. A carne do boi sai feita em beef, em roast-beef e outras muitas; do couro sai sapatas, botas,...[...]
Felício - Que prodígio! Estou maravilhado! Quando pretende fazer trabalhar a máquina?
Gainer - Conforme; falta ainda alguma dinheira. Eu queria fazer uma empréstima. Se o senhor quer fazer seu capital render cinquenta por cento dá a mim para acabar a maquine, que trabalha depois por nossa conta.
Felício, à parte - Assim eu era tolo...[Para Gainer]: Não saiba quanto sinto não ter dinheiro disponível. Que bela ocasião de triplicar, quadriplicar, digo centuplicar o meu capital em pouco!
Gainer, à parte - Destes tolas eu quero muito.
Felício - Mas veja como os homens são maus. Chamarem ao Senhor, que é o homem mais filantrópico e desinteressado e amicíssimo do Brasil, especulador de dinheiros alheios e outros nomes mais.

Em seguida, Felício atribui a Negreiro a infâmia...despertando a ira de Gainer; mais adiante, segreda a Negreiro que Gainer o estaria difamando: os dois, quando se encontram, brigam em plena casa de Clemência, que descobre, em uma conversa com Negreiro, o interesse de Gainer não por ela, mas por sua filha... a partir daí, Negreiro considera a possibilidade de casar-se com Clemência, supostamente viúva de um marido, Alberto, que reaparece, depois de dois anos, na CENA XX, onde explica ter escapado da guerra. Na CENA XXV, escondido, surpreende a própria esposa pedindo Gainer em casamento. Segue-se então, uma briga generalizada entre Gainer e Clemência contra Alberto e Negreiro; Gainer foge, Alberto acaba perdoando a mulher, por influência de seu sobrinho, Felício, a quem promete a mão de sua filha, Mariquinha. Negreiro sobra...
A peça acaba com a festa dos Reis na casa de Alberto.