Discriminação por orientação sexual é ilegal: avanço que denuncia atraso
“O homossexual é gente que deve ser tratada como pessoa doente.
Homossexual é uma pessoa doente:
ele não está dentro de sua configuração humana”
(D. Aloízio Lorscheider).
Cartaz obrigatoriamente exposto e bem visível em estabelecimento comercial diz que: “Discriminação por Orientação Sexual é ilegal e acarreta multa. Lei Estadual n° 7.309/2003 e Decreto n° 27.604/2006”. Isso supõe um avanço, agora as pessoas LGBT não serão mais discriminadas, estão livres de piadas, insultos, chacotas e agressões. Um passo adiante da civilização, mas isso, na verdade, denuncia um atraso, que o preconceito existe e o único meio de coibi-lo é proibindo legalmente sua prática. Jacques Lacan foi o primeiro psicanalista a aceitar a homossexualidade como uma variante da sexualidade humana (Roudinesco; Plon, 1998). No entanto, se a diversidade fosse respeitada, a sexualidade “diferente” acatada, aviso legalista de tal natureza não teria razão de existir. Então, sua presença sinaliza a falta de respeito e intolerância às sexualidades tidas como aberrações.
Quando o apelo à tolerância e respeito à diversidade não surtiu efeito, teve que recorrer a Lei. Há uma diferença entre serenidade e tolerância, na compreensão de Bobbio (2002, p.43), a serenidade: “é uma disposição em relação aos outros que não precisa ser correspondida para se revelar em toda a sua dimensão”, e difere de tolerância: “que nasce de um acordo e dura enquanto dura o acordo”, por exemplo, na tolerância há um pacto implícito condicional que pode ser quebrado porque o sujeito homossexual está à mercê da boa vontade ou do equilíbrio emocional do outro enquanto isso lhe convier. Enfim, nessa perspectiva seria prudente que, ao invés da tolerância, a serenidade fosse habitual. O sujeito sereno supõe calma, tranquilidade, ou seja, o heterossexual sereno é aquele que vive bem com sua sexualidade, portanto, não se incomoda com a sexualidade “diferente” ou “divergente” do outro (Silva, 2015).
Sem dúvida essa Lei é um avanço forçado porque, naturalmente, neste contexto social, seria improvável ocorrer alguma mudança de aceitação da sexualidade “invertida” de modo espontâneo, certamente continuaria atolada no atrasado, em plena pós-modernidade, presa a uma visão retrógada da Idade da Pedra, ou seja, alvo do preconceito, haja vista que os principais seguimentos religiosos, em especial, o evangélico alimenta uma perseguição implacável de discriminação, perseguição e ódio aos homossexuais e outros.
Um jovem advogado confessou se sentir constrangido diante de um cartaz desse tipo. Mas por que constrangido? Por que seu ímpeto de discriminar agora está contido ou reprimido?! Porque, na verdade, são os sujeitos LGBTs as vítimas desse constrangimento e de tudo de ruim que advém do preconceito. Uma mulher com um bíblia enorme, na fila de um Banco, reclamava alto e em bom som que agora ninguém nem pode mais falar de viado (com e é o animal cervídeo), e que redesignação de gênero (mudança de sexo) é safadeza. Assim protestava sob o apoio indireto do aceno de cabeças do entorno, em oposição a essa liberdade de ser e de se expressar a construção de nova identidade sexual, ao mesmo tempo em que erguia a bíblia como se fosse uma arma batendo forte com o dedo indicador compulsivamente sobre o dito livro sagrado, num misto de histerismo e insanidade, repetindo: Estar aqui! Estar aqui! É pecado!
Para Gagnon (2006), diferente das mulheres, a maioria dos homens é iniciada sexualmente por outros homens. A sexualidade é complexa, em particular quando se trata da homossexualidade devido à falta de um maior interesse científico, de uma escassa produção acadêmica, e diante dos tabus que a cerca, o senso comum tem uma representação enviesada e atravessada pela ameaça e temor do seu olhar preconceituoso. A linha que separa a heterossexualidade da homossexualidade é tênue. Mas não superficial a ponto de alguém mudar tão facilmente (salve a exceção do transexual que de fato se sente pertencendo ao sexo oposto) seu gênero, afinal, em sã consciência quem desejaria uma sexualidade cujo contexto social discrimina, persegue, marginaliza?! Este imaginário acredita que a homossexualidade é uma opção - e não uma condição ou orientação sexual -, como se fosse igual a trocar de roupa de acordo com a ocasião ou estado de espírito. Um povo autointitulado de Deus, sem escolaridade e adapto da bíblia, em geral, não aceita, em detrimento da felicidade de qualquer criatura homossexual, a sua sexualidade “divergente”, o que importa para esses fanáticos ou alienados é, acima de tudo, os princípios bíblicos. Portanto, o sujeito homossexual tem que reprimir seu desejo, adoecer, ser perseguido, discriminado ou, de preferência, ser assassinado.
Na segunda seção das Reflexões, intitulada “Aplicações”, elaboradas em 1992, pela Congregação para a Doutrina da Fé, presidida pelo Cardeal Joseph Ratzinger (se tornou o Papa Beto XVI, entronizado em 24 de abril de 2005, e renunciou o pontificado em 28 de fevereiro de 2013), há sete pressupostos que devem embasar o posicionamento dos católicos quanto às propostas legislativas sobre a não-discriminação das pessoas homossexuais, aqui estão destacados os itens um e cinco que tem uma relação mais direta com o tema em discussão e que dizem:
1) A “tendência sexual” não se constitui uma qualidade compatível à raça, à origem étnica etc. no que se refere à não-discriminação. Diferentemente destas, a tendência homossexual é uma desordem objetiva e requer solicitude moral.
5) A tendência sexual de uma pessoa individualmente não é, de modo geral, conhecida pelos outros, a não ser que ela se identifique em público como alguém que tem esta tendência ou com a manifestação do comportamento exterior. Geralmente, a maioria das pessoas com tendências homossexuais, que procuram viver uma vida casta, não tornam pública a sua tendência sexual. Por conseguinte, o problema da discriminação, em termos de trabalho, de habitação etc., normalmente não se apresenta (Mello, 2005).
Essas “Aplicações” de não-discriminação das pessoas homossexuais, paradoxalmente, já constitui o lastro da própria discriminação. Esse entendimento deixa implícito que, para não serem objetos de discriminação, bastaria aos homossexuais não darem vazão ao desejo afetivo-sexual. Pois, como raça e origem étnica são definidas como “qualidades”, e insiste na definição da tendência homossexual como “desordem objetiva” e que deviam ter os direitos básicos assegurados (emprego e moradia) apenas a aqueles que fazem a opção pelo celibato ou negam sua orientação sexual (Mello, 2005), ou seja, a Igreja instiga para que o homossexual apresente a fachada heterossexual, reprima seu desejo e, por conseguinte, a “visibilidade” da sua homossexualidade.
O Brasil é o país que mais mata LGBT, ostenta o título de campeão mundial, mas isso não parece envergonhar os brasileiros, portanto, aceitam, toleram, isto é, a popular é conivente com esses assassinatos, uma vez que ocupar esse lugar não lhes causam indignação ou espanto. Quando no seu governo, a presidente Dilma Vane Rousseff, uma mulher supostamente lésbica, condenou o Kit Gay dizendo que não fazia apologia à homossexualidade. Sua estupidez a cegou para relevância de que esse kit contribuiria para formação de uma mentalidade mais aberta desta geração e de populações vindouras. Foi em solo brasileiro que a representante maior da Teoria Queer, a cientista Judith Butler, reconhecida mundialmente, fosse enxotada sob a acusação de que defende a ideologia de gênero que, para esse imaginário, seria dá liberdade ou estimular que menino se torne menina e vice-versa, ao seu bel prazer. Os contestadores não entendem que a luta é pela liberdade de assumir a sexualidade “divergente” ou a expressão de qualquer sexualidade e também a igualde de direito dos gêneros.
Em razão disso, é possível considerar que o Brasil é um país extremamente preconceituoso, que não aceita a homossexualidade, e que isso é reforçado, em especial, pelas Igrejas católica e evangélica, tendo como sua máxima radical do preconceito o Levítico 19: 20 (Bíblia sagrada,1993) quando afirma que se um homem se deitar com outro homem, ambos praticaram coisa abominável; serão mortos; o seu sangue cairá sobre eles. Mas os crentes não atualizam outros mandamentos bíblicos, a exemplo do qual destaca Plon (2006, p.34), no Levítico 20:10, que diz: “o homem que adultera com a mulher do seu próximo, certamente morrerá, o adúltero e a adúltera”, essa punição, em algumas culturas, faz valer somente para a mulher, por meio do apedrejamento e outros métodos perversos.
Como é sabido, ainda há um elevado nível de analfabetismo no país, assim, o preconceito sexual, embora não seja exclusivo da camada menos esclarecida, é praticamente reinante em todo território Nacional. Devido à carência de know-how a respeito da homossexualidade e, em decorrência disso, se discute pouco esse tema que é delicado e, por vezes, até difícil de entender. A partir dessa ótica constata-se que a implantação desse cartaz é autoritária por não ter informado com bastante antecedência à população o que vem a ser a homossexualidade, as sexualidades e as questões de gênero. Desse modo, funciona como uma ordem de cima para baixo que amordaça os preconceituosos e ignorantes. Uns são preconceituosos por total ignorância e outros, mesmo com alguma escolaridade, são preconceituosos por uma questão de medo, falta de empatia e humanidade.
Embora o objetivo da Lei seja importante e altamente relevante para população LGBT, para uma convivência pacífica da diversidade, o povo está sendo obrigado a silenciar seu preconceito sexual ao invés de ter informações consistentes sobre a sexualidade normatizada, e ter a chance de desmistificar e digerir a angústia sobre as nuances das sexualidades “divergentes” ou estigmatizadas. Obviamente uma mordaça não faz desaparecer do seu interior o preconceito, o ódio e o desejo de vingança. Tendo como exemplo a mulher da fila do Banco que falou: Agora nem se pode mais falar de viado! Ou seja, diante de tantas dificuldades, desestrutura, insegurança e violência urbana, não pode mais usar os homossexuais como bodes expiatórios, sacos de pancadas, enfim, fazer bullyng contra os “pervertidos”. O que sustenta esse julgamento de “indecência” da orientação homossexual como “doença”, é a noção de uma sexualidade normal segundo a natureza - união de dois órgãos sexuais diferentes para a preservação da espécie - cujo desvio, a depravação (pravus) e definido como “contra a natureza”. Essa concepção, herdeira do pensamento grego, em particular de Aristóteles, apoia-se na teológica de uma Natureza (physis), onde existiriam inclinações naturais nas coisas. Assim, todo ato sexual que desvia da finalidade primeira da sexualidade - masturbação, heterossexualidade separado da procriação, homossexualidade, sodomia etc. - é perverso (Ceccarelli, 1998).
Mas para onde vai essa raiva preconceituosa interditada? Certamente para algum outro lugar, pois não se dilui no ar ou se esvai pela terra. Essa Lei trouxe um enorme benéfico para a população LGBT, mas não resolveu o problema, porque trata do preconceito explícito, frontal, e não do sutil. O preconceituoso sempre acha um jeito de manifestar seu mal estar e ódio sob a proteção da sutileza, mas não menos ferino, para atacar os homossexuais.
Talvez, informações claras, sérias e precisas e amplamente distribuída, fundada em argumentos científicos, a população já tivesse alguma compreensão capaz de atenuar o preconceito e, por conseguinte, a discriminação, e não uma Lei proibindo, fazendo engolir algo que para ela é indigesta, difícil de elaborar, por não entender a sexualidade normatizada, muito menos a “divergente”. Finalmente, reconhecer que a sexualidade não interfere no caráter, que um ser homossexual não é melhor nem pior do que o heterossexual, apenas “diferente”, mas com vontades, necessidades e desejos idênticos aos do heterossexual, e que deve ter seu direito de viver assegurado como a qualquer outro cidadão! O que muda é somente seu objeto sexual que é do “mesmo sexo”.
Segundo Badinter (1992), na medida em que os homossexuais se tornam “visíveis” e reivindicadores, mais se defrontam com novas formas de hostilidade. Portanto, nada mais justo do que uma Lei que os ampare nessa “visibilidade”, pelos menos da discriminação explícita, frontal, porque a sutil continuará existindo uma vez que é mais improvável de provar. O povo inseguro da sua sexualidade, egoísta, perverso, precisa desse escape: do homossexual e das sexualidades “divergentes” para usá-los como Cristos, “crucificá-los” e cada 25 horas assassiná-los. Assim, exorcizam seu medo, desejo, atração ou repulsa pela homossexualidade.
Referências
BADINTER, Elizabeth. XY de l´identité masculine. Paris: Odile Jacob, 1992.
BÍBLIA Sagrada. 2. ed. São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil, 1993.
BOBBIO,Norberto.Elogio da serenidade e outros escritos morais. Trad. de Marco Aurélio Nogueira. São Paulo: UNESP, 2002.
CECCARELLI, Paulo Roberto. Neo-sexualidade e sobrevivência psíquica. Psychê, v. 2, n. 2, p. 61-69, 1998.
GAGNON, John H. Uma interpretação do desejo: Ensaios sobre o estudo da sexualidade. Trad. de Lucia Ribeiro da Silva. Rio de Janeiro: Garamond, 2006.
MELLO, Luiz. Novas famílias: Conjugalidade homossexual no Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro: Garamond, 2005. Coleção sexualidade, gênero e sociedade.
PLON, Leneide Duarte. Por que elas são (in)fiéis: Histórias verdadeiras e mulheres e seus conflitos com a fidelidade. Rio de Janeiro: Ediouro, 2006.
ROUDINESCO, Elisabeth; PLON, Michel. Dicionário de psicanálise.. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.
SILVA, Valdeci Gonçalves da. Preconceito Sexual: Olhares de alunos de psicologia 361f. 2015. Tese (Doutorado). Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Clínica da Universidade Évora, Portugal-PT, 2015.