Vanessa Vieira Pinheiro da Silva¹
Marisa Marantes Sanchez²

Introdução

A rede de saúde nacional composta, dentre outros, por postos de saúde e hospitais públicos e privados, tem se voltado à atenção materna no que se refere ao cuidado humanizado à mãe e ao seu bebê. Esse cuidado visa a favorecer o estabelecimento da relação saudável entre a dupla, mãe-bebê, além de prevenir que a mãe desenvolva a depressão pós-parto (DPP).

Conforme Moraes e cols (2006), a DPP é um importante problema de saúde pública que afeta tanto a saúde da mãe quanto o desenvolvimento do seu filho. A perspectiva de cura ou melhora dos sintomas para a mãe que sofre de DPP é boa se o diagnóstico e o tratamento forem feitos precocemente (Klaus & cols, 2000), sendo esta uma ação de promoção da saúde.

A DPP refere-se aos sintomas que se iniciam da quarta a oitava semanas, podendo chegar a 52 semanas após o parto e que podem persistir por mais de um ano. A incidência de depressão materna varia de 10% a 16% das novas mães (Klaus, Kennel & Klaus, 2000).

Os sintomas comuns na DPP apresentam próximo ao primeiro mês, como: irritabilidade, choro frequente, sentimentos de desamparo e desesperança, falta de energia e motivação, a fim de que a habilidade da mulher de funcionar é perturbada, falta de interesse nas relações sexuais, transtornos alimentares e do sono, além de sentimentos de ser incapaz de lidar com novas solicitações. A ansiedade, um sintoma muito comum, está com frequência relacionada com o bem-estar da criança e pode persistir apesar da tranquilização por parte dos médicos e das enfermeiras. A ansiedade aparece em algumas mães como falta de afeto pelo bebê e, por outro lado, auto-acusação e culpa. As expectativas aqui novamente exercem seu papel. As mães podem estar preocupadas por não estarem sendo capazes de equipararem-se a sua própria imagem de mãe ideal. Não é raro que uma mãe com depressão pós-parto tenha sintomas psicossomáticos como cefaleia, dores nas costas, erupções vaginais e dor abdominal, sem causa orgânica aparente. Um quadro com um ou mais desses sintomas é normal. Muitas mães que se esforçam para satisfazer as necessidades de seus novos bebês e que apresentam privação de sono podem pensar que muitos destes sintomas adaptam-se a sua situação. Quando eles são muitos e continuam por um período de semanas, a mãe necessita de ajuda.

Segundo Klaus e cols. (2000), é importante distinguir o postpartum blues normal e a verdadeiradepressão. O postspartum blues mencionado é caracterizado por um curto período de emoções voláteis, que comumente ocorrem entre o segundo e o quinto dias após o parto e que afeta 80% a 90% das novas mães. Seguindo este esclarecimento Maldonado (2000) considera o puerpério como o “quarto trimestre” da gravidez, considerando-o um período de transição que dura por volta de três meses após o parto, acentuado em particular no primeiro filho. Nesse período, a mulher torna-se especialmente sensível, muitas vezes confusa, até mesmo desesperada; a ansiedade normal e a depressão reativa são comuns.

A labilidade emocional é o padrão mais característico da primeira semana após o parto: a euforia e a depressão alternam-se rapidamente, essa última podendo atingir grande intensidade Maldonado (2000). As mudanças bioquímicas que se processam logo após o parto, tais como, o aumento da secreção de corticoesteróides e a súbita queda dos níveis hormonais e também a atuação de outros fatores, tais como as frustrações e a monotonia do período de interação e a passagem da situação de espera ansiosa típica do final da gravidez para a conscientização da nova realidade que, ao lado da satisfação da maternidade, significa também a responsabilidade de assumir novas tarefas e a limitação de algumas atividades anteriores.

A autora destaca ainda que a depressão pós-parto tende a ser mais intensa quando há uma quebra muito grande da expectativa em relação ao bebê, a si própria como mãe e ao tipo de vida que se estabelece com a presença do filho. Com o desaparecimento da “imagem lúdica”, vem muitas vezes o desapontamento, o desânimo, a sensação do “não era isso que eu esperava” e a impressão de ser incapaz de enfrentar a nova situação, sensação de decepção consigo mesma, desilusão e fracasso. A prostração e a incapacidade de assumir a função materna têm também aspectos regressivos, de identificação com o próprio bebê – a mãe solicita também para si cuidados e atenção, mobilizando preocupação nos familiares.

A probabilidade de depressão materna é aumentada quando há problemas psiquiátricos na história familiar e a própria história anterior de uma pessoa contribuem para a DPP (Moraes, 2006). Entretanto, os fatores psicossociais são também muito importantes. Os efeitos de fatos desfavoráveis da vida ou de problemas crônicos como aposentadoria, desemprego, renda inadequada, moradia não-satisfatória ou relações que não oferecem apoio podem ser intensificadas pelo fato de que a nova mãe se sente em uma armadilha e incapaz de mudar sua situação. Moraes (2006) encontraram em seu estudo dois fatores de risco associados ao desenvolvimento de depressão materna: baixas condições socioeconômicas e não aceitação da gravidez. A capacidade da mãe de confiar em seu marido ou em uma amiga foi observada como um fator na depressão. As mulheres comumente se sentem constrangidas ao terem de dizer a alguém como se sentem mal. A solidão, o isolamento e a falta de apoio são sérios problemas para as mães de hoje, especialmente quando há uma grande discrepância entre a idealização e a realidade da maternidade (Klaus e cols. 2000, p.116).

Brum & Schermann (2006) num estudo referente aos fatores envolvidos no processo de instalação da DPP, descrevem os mesmos fatores acrescentando as alterações hormonais e os fatores obstétricos e ginecológicos(como complicações durante a gestação e o parto).

O nascimento de um bebê traz uma série de alterações abruptas no desenvolvimento, incluindo a necessidade de ver a si mesmo como um adulto e pai ou mãe e ter que renunciar ao pensamento de que seus pais estão sempre presentes. Mãe e filho se conhecem muito pouco, ainda não se estabeleceu entre eles um padrão de comunicação e, com frequência, a mãe não sabe distinguir quais as necessidades do bebê permanecem insatisfeitas. Só aos poucos aprende a diferenciar o choro do filho: se sinaliza fome, cólicas, desconforto, sede, sono ou necessidade de contato. É, portanto, no início uma relação bem pouco estruturada, não-verbal e, por isso, intensamente emocional.

Essas características dão margem a amplas possibilidades de interpretações projetivas por parte da mãe: assim, o choro do filho pode evocar sentimentos de pena e estimular necessidades de cuidar dele: de raiva de si própria por se sentir incapaz de satisfazer as necessidades do filho; de raiva do bebê por senti-lo como um “ingrato” que não reconhece sua dedicação e seus esforços, ou por senti-lo como permanentemente insatisfeito e insaciável sugando-a e esgotando-a, exigindo-lhe muito e retribuindo-lhe muito pouco; de ressentimento por sentir que o bebê lhe está roubando ou privando-a de coisas importantes, tais como horas de sono e de repouso; ou pode sentir-se agredida com o choro do bebê, interpretando como censura e acusação, o que gera sentimentos de culpa e inadequação (Maldonado, 2000).

Sendo assim, o reconhecimento da depressão pós-parto é importante não apenas para a compreensão e o tratamento da mãe, mas também devido aos seus efeitos negativos sobre o relacionamento entre a mãe e o bebê e sobre o aprendizado e desenvolvimento social e emocional da criança.

Conforme Klaus e cols. (2000), a depressão pós-parto pode ter sérias implicações para o bebê. Uma série de estudos mostram uma associação entre depressão materna e problemas posteriores do desenvolvimento, incluindo transtornos de conduta, comprometimento da saúde física, ligações inseguras e sintomas de depressão. Os sintomas de depressão pós-parto – irritabilidade, ansiedade, pouca concentração e humor depressivo – interferem em todas as relações interpessoais, especialmente no relacionamento em formação entre uma mãe e seu novo bebê.

Em experimentos realizados no Centro Médico Infantil de Boston, foi solicitado às mães de bebês de três ou quatro meses de idade que se apresentam para os seus filhos com uma face tranquila, não responsiva e inexpressiva. Isto seria seguido por uma drástica mudança na aparência dos bebês. No primeiro ou segundo minuto, ele sorri, agita-se e esforça-se para obter uma resposta de suas mães. Depois de muitos esforços sem sucesso, eles ficam desestimulados e, com frequência, começam a salivar. Depois de três a quatro minutos, todo o seu corpo mergulha em desespero. Esses foram experimentos muito breves, seguidos de abraços calorosos, mas é fácil ver que a depressão de uma mãe e sua falta de respostas podem prejudicar o desenvolvimento do bebê ( Klaus e cols., 2000).

Ao referir-se ao estudo realizado por Hoffman e Drotar (1991), Maldonado (2000) sugere que a mãe deprimida após o parto, necessariamente não deprime o bebê. Onze mães deprimidas e onze mães não-deprimidas (entre vinte e quatro e trinta e sete anos) e seus bebês de 2 meses foram filmados em sessões de dez minutos, em que podiam interagir livremente. As mães deprimidas tiveram escores significativamente mais baixos em interação positiva, envolvimento afetivo e sensibilidade de reação, em comparação com o grupo de controle. Contrariando as hipóteses iniciais do estudo, o nível de atividade dos bebês não variou em função da depressão materna. No entanto, os bebês das mães deprimidas evidenciaram, como elas, menor grau de afeto positivo e de expressão, emocional, como se espelhassem o estilo de interação das mães. Esses resultados sugerem que graus leves ou moderados de depressão materna têm efeitos seletivos na interação materno-filial. Por sua vez, graus mais intensos de depressão pós-parto podem ter efeitos a longo prazo no desenvolvimento do bebê. Este estudo mostra que esses bebês tendem a desenvolver um vínculo inseguro com as mães e a apresentar distúrbios de comportamento (especialmente no sono) até cerca de um ano e meio, mesmo quando as mães superaram a depressão em torno de três meses após o parto.

Segundo Maldonado (2000), em muitas teorias tradicionais do desenvolvimento, enfatiza-se bastante o papel da relação mãe-filho na formação da personalidade da criança. No entanto, os estudos sobre os aspectos de interação no relacionamento familiar têm predominado nas últimas décadas. Torna-se cada vez mais claro que a natureza do comportamento dos pais sofre grande influência das características da criança. Dessa forma, em vez de considerar somente o comportamento materno, é necessário investigar os padrões de interação e influência recíproca entre o bebê e a mãe para melhor entender a natureza dessa sintonia.

O bebê de uma mãe que sofre de depressão pós-parto sofre uma “perda”, porém esta “perda” da mãe que entra em depressão não é uma perda física, como quando a mãe morre ou desaparece. Segundo o autor, trata-se de uma perda emocional, na medida em que a mãe, ao mudar sua atitude emocional, altera os signos que a identificavam como um “objeto bom” para a criança. Segundo Schwengber e Piccinini (2003) mesmo que a mãe se mantenha fisicamente como era o objeto afetivamente investido pelo bebê está perdido com a depressão, na medida em que a mãe mostra-se emocionalmente mais distante. Tal perda, segundo o autor, só pode ser vivenciada sob forma semelhante no primeiro ano de vida, pois ela é específica deste período. No entanto, do ponto de vista de Brazelton (1988), a depressão materna apresenta um lado positivo, que pode ser um reforçador, para que a mãe saia da depressão, a hipersensibilidade da mãe contribui para que ela procure meios de compreender seu bebê. Como se fosse um consolo para seus sentimentos de desorganização, a mãe busca um comportamento organizado no seu bebê. O autor ressaltou ainda que a depressão pode também ser útil no sentido de auxiliar a mãe a se afastar do seu antigo mundo, com o que ganha tempo para desenvolver sensibilidade e responsividade com seu bebê. Contudo, Brazelton e Cramer (1992) salientam que a depressão materna no período pós-parto também se constitui em um dos mais frequentes fatores que afetam a contingência da interação mãe-bebê. Os autores mostraram que até mesmo as formas mais brandas de depressão da mãe podem afetar o bebê, na medida em que ele perceberia as mínimas deficiências na contingência no comportamento materno, (Brazelton,1988 & Cramer,1992, apud: Schwengber, 2003).

Os bebês são altamente sensíveis à qualidade de atenção do adulto. Se a comunicação normal mãe-bebê é interrompida por breves períodos de tempo, os bebês respondem com estresse e recusa. Dentro desta perspectiva, existe uma preocupação com a saúde física e mental da puérpera. Porém, frente à descoberta de um bebê ativo, equipado com capacidades para interagir e se comunicar os pesquisadores e profissionais de saúde passaram a estender sua preocupação aos efeitos da depressão materna em nível da interação mãe-bebê (Brum e Schermann, 2006).

As deficiências na relação mãe-bebê trariam ainda prejuízo à formação de vínculo e na relação de apego na díade. Klaus e cols. (2000) definem a “formação do vínculo” como o investimento emocional dos pais a seu filho. É um processo que é formado e cresce com repetidas experiências significativas e prazerosas. Ao mesmo tempo, outro elo, geralmente chamado de “apego”, desenvolve-se nas crianças em relação a seus pais e a outras pessoas que ajudem a cuidar delas. É a partir dessa conexão emocional que os bebês podem começar a desenvolver um sentido do que eles são, e a partir daí uma criança pode evoluir e ser capaz de se aventurar com segurança e acreditar uns nos outros. Quando um pai ou uma mãe sente essa conexão emocional ou a formação do vínculo com o bebê, é muito mais que apenas um interesse em alimentar, ou trocar, ou tomar conta do bebê. É cuidar e colocar-se no lugar do bebê, perceber e responder às suas necessidades, sejam físicas ou emocionais. O bebê é poderosamente influenciado por seu investimento emocional.

As novas mães comportam-se da mesma maneira como foram criadas e irão aos poucos se “afinando” ao bebê. Estudos revelam que a forma como somos criados quando bebês e crianças afeta a forma como vamos cuidar de nossos filhos e criá-los, bem como a forma como iremos interagir com as outras pessoas, com quem ela tem uma sensibilidade cada vez maior em relação às necessidades do bebê e dedica-se mais a elas. Esse processo inicia pelo final da gravidez e continua por poucas semanas depois do nascimento da criança. Entretanto, para desenvolver e manter esse estado, uma mãe necessita de apoio, de cuidados e de um ambiente no processo de vínculo. Uma mãe sensibilizada pode se colocar no lugar do bebê e então atender as necessidades dele (Klaus,2000; Maldonado, 2000).

De acordo com Bowlby (1984), o vínculo da criança com a mãe é compreendido como o comportamento de apego. O comportamento de apego é visto como aquilo que ocorre quando são ativados certos sistemas comportamentais, como chorar, balbuciar e sorrir, agarrar-se, a sucção não-nutritiva e a locomoção, tal como é usada para abordar, seguir e procurar. Desde uma fase inicial do desenvolvimento, cada um desses tipos de comportamentos tem como resultado previsível a aproximação da mãe.

A maioria dos bebês de cerca de três meses de idade já respondem à mãe de um modo diferente, em comparação com outras pessoas. Quando vê sua mãe, o bebê sorri e vocaliza mais prontamente, seguindo com os olhos por mais tempo do que quando vê qualquer outra pessoa. Portanto, a discriminação perceptual está presente.

Nenhuma forma de comportamento é acompanhada por sentimentos mais fortes do que o comportamento de apego. As figuras para as quais ele é dirigido são amadas, e a chegada delas é saudada com alegria. Enquanto uma criança está na presença incontestada de uma figura principal de apego, ou a tem ao alcance, sente-se segura e tranquila. Uma ameaça de perda gera ansiedade, e uma perda real, tristeza profunda; ambas as situações podem, além disso, despertar cólera (Bowlby, 1984).

O comportamento de apego materno pode ser observado a partir das atividades da mãe que meramente competem em tempo e energia com os cuidados à criança e que estão numa categoria muito diferente do comportamento que é inerentemente incompatível com esses cuidados. Tal é o caso de aversão ao contato com o bebê, ou a aversão aos seus gritos, o que pode levar a mãe a afastar-se dele. Numa mãe normal, o comportamento de afastamento, embora ocorra ocasionalmente, não é frequente nem prolongado, sendo rapidamente substituído pelo cuidado, quando os acontecimentos o exigem. Numa mãe emocionalmente perturbada, por outro lado, tal comportamento pode interferir seriamente nos cuidados com filho. Em contrapartida atividades simples são imediatamente deixadas de lado (por mães normais) caso o bebê necessite de cuidados.

Quando o bebê encontra uma figura com disponibilidade para interagir consigo, com sensibilidade para interpretar e responder aos sinais enviados por ele consegue desenvolver um satisfatório vínculo de apego. Consequentemente, desenvolverá sentimentos de autoconfiança, confiança no mundo e nas pessoas, bem como terá construído uma boa base para o desenvolvimento de sua autonomia enquanto sujeito particular (Souza, 2005).

De acordo com Ferraris (2005), o bebê adquire a própria segurança não só das competências que a maturação faz aparecer e que lhe permitem controlar cada vez mais e melhor a realidade, mas também do modo como os outros lhe respondem e interagem com ele: o fato de o tranquilizarem, de entenderem suas exigências, de o incentivarem, de lhe transmitirem alegria e otimismo, de lhe mostrarem de quantos modos é possível estabelecer uma relação com as pessoas e provocar o seu interesse. A autora determina quatro fases para a formação do apego. A primeira denominada de Pré-apego (0-2 meses de idade), cujas as principais características são: a) respostas sociais indiscriminadas; b)Apego em formação (2-7 meses se idade), reconhecimento dos familiares; c)Apego rígido (7-24 meses de idade) reclama se separado das figuras de apego, desconfia dos estranhos, comunicação intencional; e a última fase Apego baseado na reciprocidade (dos 24 meses em diante) relação de mão dupla: a criança compreende melhor as exigências dos outros.

Por reciprocidade entendem-se as trocas comunicativas entre a criança e quem toma conta dela: o sorriso em resposta a seus sorrisos, assim como acudi-la quando tem fome, ou responder a seu balbuciar ou a seu espernear no berço quando quer ser erguida. De sua parte, a criança desejará repetir cada vez mais aquelas ações do adulto sobre e para ela: lava-la, dar-lhe comida na boca, acariciá-la, vesti-la e assim por diante.

Outra dimensão importante para cimentar a relação filho-figura de apego é a cuddliness (aconchego), termo do inglês traduzível como a capacidade de o recém-nascido aninhar-se, abandonar-se nos braços de um adulto. A criança tem um papel ativo na formação do vínculo de apego, embora a direção do conjunto esteja nas mãos de não ser apenas cuidado fisicamente (physically holding), mas que também está na mente de alguém e que este quer o seu bem. Mais tarde, quando perceber que também ele pode “reter” a imagem dos outros (de suas figuras de apego) na própria mente (holding in mind), tornar-se-á capaz de tolerar as inevitáveis e necessárias separações (Bowlby, 1984; Ferraris, 2005).

Segundo Maldonado (2000), aos poucos, verifica-se a consolidação dos padrões de comunicação na díade mãe-filho, após as primeiras semanas de tentativa de adaptação. A mãe consegue decifrar melhor o código da criança e, consequentemente, satisfaz com mais eficácia suas necessidades; por outro lado, o bebê lentamente supera as dificuldades iniciais de adaptação ao mundo externo: organiza melhor um ritmo próprio, torna-se mais tranquilo e consegue comunicar-se melhor; à medida que aumenta a reatividade e que, lentamente, “descobre o mundo” através do olhar e do sorriso, já gratifica a mãe de uma forma mais pessoal, consolidando, dessa forma, uma verdadeira relação de troca. Vemos, portanto, como também a qualidade dessa relação interpessoal depende de ambas as partes da díade e, num plano mais amplo, da tríade familiar.

Cada recém-nascido apresenta uma bagagem congênita singular: pode ser predominantemente tranquilo, irrequieto, voraz, sonolento, saudável ou doente. A mãe reagirá de diferentes maneiras a essas características, podendo-se tornar predominantemente paciente, afetiva, ansiosa, irritada ou solícita, o que por sua vez também afeta o padrão de reações do bebê. No plano mais amplo, o ambiente que cerca a relação mãe-filho contribui para a qualidade da reativa de ambos.

Considerações Finais

Nosso objetivo foi reconhecer os sintomas da DPP e as dificuldades evidenciadas pelas portadoras da DPP, enquanto distúrbio do humor e suas interações no vínculo mãe-bebê e suas repercussões no posterior desenvolvimento do bebê.

A revisão da literatura mostra que os quadros depressivos maternos no período pós-parto apresentam vários fatores desencadeantes, bioquímicos e emocionais, que se inter-relacionam e associam-se ainda a fatores sociais e culturais. A DPP pode variar em sua intensidade, no entanto mesmo as formas mais brandas de depressão materna podem afetar o bebê, sendo este sensível às contingências no comportamento materno. Desta maneira, se constatou na investigação, que as mães participantes têm um comportamento idêntico aos estudos (Brum & Schermann, 2006; Ferraris, 2005;Klaus & cols,2000; Maldonado, 2000; Piccinini, 2003; Souza, 2005) referentes ao tema, os quais revelam que o estado depressivo da mãe altera seu comportamento e nesta perspectiva afeta a interação mãe-bebê, tendo efeitos negativos no desenvolvimento infantil. De qualquer modo não é via de regra que bebês de mães deprimidas sejam deprimidos, porém têm de duas a cinco vezes maior possibilidade de desenvolver problemas emocionais e de comportamento, todavia se considera a criança um agente ativo na formação de sua trajetória de desenvolvimento.

As evidências apontadas na literatura indicam a urgência no diagnóstico precoce da DPP uma vez que a perspectiva é boa para a mãe que sofre de DPP e menos problemas são evidenciados no bebê quanto menor for a duração da depressão materna, uma vez que o tempo de duração da DPP se relaciona aos afeitos aversivos ao bebê.

Pode-se concluir que a depressão materna, em um determinado momento após o nascimento, interfere no estabelecimento do vínculo mãe-bebê; contudo, não permite a realização de um prognóstico preciso a respeito das implicações na qualidade da relação mãe-bebê e no comprometimento no desenvolvimento do bebê, este dependerá de outros fatores associados.

Apesar desta investigação ter se baseado na análise de duas participantes, conforme o delineamento adotado, considera-se que os dados encontrados não procuram generalizar resultados. Entretanto, a pesquisa nos permite reconhecer que o apoio a puérpera necessita no período pós-parto, e sugerir que os Postos de Saúde da Família possam oferecer um atendimento voltado para a prevenção e promoção da saúde. As equipes de saúde mental, em parceria com as equipes multidisciplinares dos postos de saúde, podem oferecer um acolhimento às mães no período pós-parto com o objetivo de orientar e detectar de maneira precoce os casos de DPP. Priorizando que estas mães possam ser atendidas e nesta perspectiva se diminua os efeitos prejudiciais tanto à mãe quanto ao desenvolvimento do bebê.

1. Acadêmica do curso de graduação em psicologia da ULBRA campus São Jerônimo, formanda em 2008/2.
2. Psicóloga, mestre em psicologia clínica (PUCRS), docente da ULBRA campus São Jerônimo, orientadora.

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