Os alunos da escola do século XXI
Os alunos de hoje – da creche à graduação – nasceram e cresceram em ambiente digital. É o que o pensador americano Marc Prensky chama de nativos digitais. Em certa medida, todos os países têm enfrentado alguma dificuldade na maneira de a escola (e de o mercado de trabalho) se relacionar com a nova geração.
Isso porque referidos alunos têm algumas características em comum que não são as correntes nas salas de aula: preferem o visual ao textual, preferem o aleatório ao sequencial, muitos trechos curtos a um longo, fazem múltiplas tarefas simultaneamente, precisam de recompensas rápidas, não aceitam com facilidade autoridades e críticas, querem se expressar, gostam de construir redes de contato. Enfim, muito do que se ouve dos problemas escolares está relacionado com a concepção de nosso sistema educacional, pensado para um tipo de aluno que não é o que está atualmente nos bancos escolares.
Há, explicitamente, uma descontinuidade entre eles e seus professores. A ideia de Prensky é especialmente feliz em mostrar isto: a geração atual é nativa digital, nasceu fluente nessa linguagem; seus professores são imigrantes digitais, com todas as dificuldades que um imigrante tem para se adaptar a outra língua e cultura.
É fácil perceber nosso “sotaque” nessa língua. Eu prefiro digitar num teclado (e só com o indicador!) a ficar arrastando meu dedo numa tela de celular ou tablet, algo que me dá uma preguiça enorme. E ler, então? Quantos não somos os que preferem imprimir um texto a ficar rolando-o para baixo numa tela (ou, pior, pedimos para outra pessoa imprimir para a gente). Quantos não preferem ligar a trocar mensagens no whatsapp ou facebook? Isso é o sotaque! E vai além, é provável que a linguagem e a forma de se estruturar os pensamentos estejam intrinsicamente ligados. Se telefonar já não é a primeira opção (nem a segunda, nem a terceira…) de um nativo digital, ligar para avisar que mandou um e-mail é um raciocínio completamente sem sentido que nunca passaria pela cabeça dele.
Uma solução proposta por Prensky está relacionada com a gamificação – uma maneira de professores se comunicarem na língua e estilo dos alunos. A gamificação é uma forma de incorporar a qualquer processo, incluindo a educação, elementos dos jogos. Se games são interessantes para os jovens, o que é possível aprender com eles para deixar a escola também interessante?
Esse é um ponto ao qual quero voltar num post futuro, mas, para este momento, pense que isso significa ficar falando não por 10, 20 ou 30 minutos, mas por 3 minutos – e 30 segundos, então, é muito melhor! Não é estruturar um conteúdo vagarosamente passo a passo, culminando numa avaliação, mas deixar o acesso aleatório, rápido e com feedback imediato. E, nada de “objetivos de aprendizagem”, instruções escritas detalhadas e pedagógicas. É preciso trocar, para o aluno, a linguagem com traços de educação para a linguagem com traços de diversão sempre que possível (um tópico importante também para pensar o livro didático dessa escola).
Contudo, isoladamente, uma nova metodologia não garante que a escola estará mais bem preparada para os desafios do século XXI. Outra questão é que ela ensina um conjunto de saberes que já não têm mais a adesão da nova geração. Esse é um processo comum da escola, aprender latim e grego já foi muito mais relevante, mas chegou um momento que saiu do currículo escolar. E é difícil fazer o aluno de hoje ver sentido em aprender a diferenciar mórula, blástula e gástrula.
O sociólogo suíço Philippe Perrenoud é um dos que aponta para as tradições escolares e as lacunas e descolamentos da realidade estudantil que elas provocam. Uma de suas ideias é que a escola precisa diminuir seus currículos tradicionais e incorporar outros elementos, especialmente das áreas da psicologia, das ciências sociais, da economia e do direito.
Faz todo o sentido. A vida humana está cada vez mais longa e multifacetada. E ninguém nos prepara para enfrentar crises e sofrimentos como a perda de um emprego, o divórcio ou uma doença na família. Ou a lidar com a angústia, o ciúme e a sensação de insegurança. O que aprendemos na escola sobre sistemas de ação coletiva, da família e do círculo de amigos a organizações profissionais e políticas? Quem nos ensina quando um leasing, uma hipoteca ou um empréstimo no cheque especial vale a pena? Como se planeja a aposentadoria ou se entende o noticiário a respeito de inflação e balança comercial? Se eu como consumidor me sinto lesado, que direitos eu tenho, como posso reclamá-los, que ações posso tomar? Quais são os direitos trabalhistas? Como e por que se paga um imposto? Como se aciona um seguro? Como se chama um bombeiro? Como se abre uma empresa?
Assim como Perrenoud, também acredito que essas são perguntas muito mais importantes de serem feitas na escola do que, por exemplo, quais são as características de um movimento harmônico simples. E, provavelmente, elas estariam muito mais próximas do que os estudantes precisam e querem.
Para mim, é muito claro que o problema não é que os alunos estejam menos aptos a aprender ou a prestar atenção. Eles memorizam nomes e características de mais de cem personagens do Pokémon (e esse exemplo também denuncia o sotaque digital do Prensky e o meu), por que não memorizariam os nomes e capitais de cem países? Não que eu ache que essa “memorização geográfica” tenha utilidade, mas não é esse o ponto, é que eles têm essa incrível capacidade e não sabemos como usá-la. Eles dão atenção a dezenas de tarefas simultâneas, é claro que conseguem prestar atenção, só não têm a mínima vontade de prestar atenção na aula – e acho que eles são os menos errados da história…