Viabilidade e Narciso
Na década de 1970 o sociólogo americano Christofer Lasch, grande pensador da área organizacional, publicou A cultura do narcisismo, no qual efetuou análise, muito atual ainda, dos aspectos sociais e psicológicos da vida política, empresarial e pessoal contemporânea. Neste trabalho discorria sobre a crescente tendência de personalidades narcísicas assumirem posições de destaque em sociedades onde a transmissão da cultura é monopolizada pelas organizações sociais e pela mídia, fenômeno que se aprofunda em nossos dias.
Conceitua-se narcisismo como o processo pelo qual o sujeito assume a si mesmo como o que aparenta ou pensa aparentar, a imagem passando a representar o indivíduo. Em níveis moderados o narcisismo pode ser saudável, por permitir à pessoa equilibrar o entendimento de suas carências com as dos demais, importante fator de constituição da personalidade. Em grau excessivo é uma patologia, e pessoas com esse transtorno tendem a ter sentimentos de autossuficiência, vêem seus talentos e realizações com exagerado otimismo, são exibicionistas e intolerantes a críticas, tem fantasias frequentes com poder e sucesso. Essas características interferem nas relações pessoais desses indivíduos, que são incapazes de desenvolver empatia e tendem a desvalorizar e explorar os demais, para satisfazer seus interesses e necessidades.
As transformações culturais, políticas, econômicas e tecnológicas afetam as relações de trabalho e incrementam a competitividade, tanto na obtenção de um emprego quanto na sua manutenção. O temor da morte, da velhice, a diminuição radical do tempo destinado ao lazer, as crescentes complexidade dos relacionamentos, torna as organizações ambientes conflituosos, pois leva cada indivíduo à maior dependência das corporações e burocracias. Isso propicia o aparecimento das personalidades narcisistas em funções de liderança, já que estas, movidas pela necessidade intensa de poder e de prestígio, tornam-se elementos fundamentais da engrenagem propulsora dos cenários organizacionais, tanto na esfera pública quanto privada.
O grande problema parece residir no fato de que o narciso apaixona-se muitas vezes por si mesmo exatamente pela dificuldade de convivência com os demais. Como no exercício do poder a vontade pessoal reina soberana, o narciso centra-se ainda mais nas atividades profissionais, já que nestas poderá ser afastado todo aquele que se insurge contra a autoridade estabelecida.
Líderes narcísicos, na literatura especializada, costumam distribuir-se em três tipos básicos: o reativo, tirano exigente e exibicionista que procura cercar-se de aduladores; o iludido, menos explorador e mais receptivo à opinião dos demais, porém inseguro e tendente a apreciar mais o subordinado fraco que o ativo, e que protela ao máximo todas as decisões por temer a exposição pública de uma má deliberação, o que afetaria a imagem perfeccionista que faz de si mesmo; e o construtivo, determinado e confiante, com visão mais realista de seus limites e talentos, e que, portanto, com mais facilidade aglutina os demais nas causas em que acredita.
Espera-se daqueles que exercem cargos determinantes para a vida comunitária, assim como em empresas e escolas, lideranças não narcísicas, ou pelo menos as do tipo construtivo, já que disfunções podem afetar a própria qualidade das ações sociais a serem atingidas, não apenas nos aspectos racionais tocantes aos seus fins, mas também aos seus valores.
Nestes espaços a superação das neuroses narcisistas poderia ser realizada pela construção de relações prazerosas e socialização do trabalho, é da essência democrática o projeto realizado em equipe, solidário e compartilhado.